Capítulo 7

Capítulo 7 - (Re) aprendendo a Viver

Desde o acidente, não houve um dia em que Daniel não estivesse ao lado de Enzo, o qual teve algumas complicações em seu quadro clínico que o mantiveram no hospital por cerca de dois meses. Porém, depois de uma longa espera, o rapaz finalmente tinha recebido alta hospitalar e voltaria para casa, o que o deixara muito feliz. 

Apesar da dificuldade para aceitar a paraplegia, Enzo se manteve bastante positivo em relação ao prognóstico do seu quadro clínico. Daniel também o ajudara bastante nesse sentido. Entretanto, a equipe de reabilitação do hospital foi um componente essencial para mantê-lo otimista. 

Durante os dois meses em que ficou no Hospital das Clínicas de São Patrício, Enzo foi atendido por uma equipe multiprofissional composta por médicos (generalistas e neurologistas), fisioterapeutas, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, entre outros profissionais que eventualmente atuavam na instituição. Dentre estes, o rapaz ficou especialmente amigo de Yuri, um terapeuta ocupacional que o atendia quase diariamente e o fazia sentir cada dia mais confiante em sua recuperação. No dia em que Enzo saiu do hospital, Yuri realizou as orientações necessárias quanto ao quadro clínico e acrescentou, dirigindo-se a Daniel: 


- Rapaz, eu tenho certeza que o Enzo vai conseguir recuperar os movimentos das pernas gradualmente, mas o seu apoio tem sido essencial, então continue ao lado dele, haja o que houver!

- É claro Yuri! - respondeu Daniel - Eu sempre vou estar ao lado dele! 
- Isso é muito bom! Vocês formam um belo casal! - acrescentou Yuri - Quanto a você Enzo, não esqueça do que eu disse: você vai conseguir recuperar os movimentos gradualmente, mas esse pode ser um processo demorado e trabalhoso, então faça da sua cadeira de rodas a sua melhor amiga por enquanto! Eu acho que consegui treinar suficientemente o uso com você, então isso provavelmente não vai ser um problema! 
- Muito obrigado Yuri! - disse Enzo estendendo os braços a Yuri, que retribuiu o abraço do rapaz - você foi muito importante nesse momento tão difícil para mim! 
- Eu só estava fazendo o meu trabalho Enzo! Mas eu aprecio que tenhas gostado do nosso tempo juntos aqui no hospital, pois são essas respostas positivas dos meus pacientes que me fazem amar o que eu faço! 
- Essa é uma profissão muito linda mesmo Yuri! - disse Enzo e depois acrescentou: - Eu confesso que nunca tinha ouvido falar dela, mas eu me senti muito bem participando de um programa terapêutico em que um terapeuta ocupacional estava incluído! 
- Isso é ótimo, pois a clínica de reabilitação da UFTU, para onde nós encaminhamos você para continuar o processo de reabilitação, tem um ótimo programa de tratamento com vários terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas! Essa instituição tem tradição no atendimento a pacientes de reabilitação física e o programa é sempre bastante elogiado, então, provavelmente, você vai gostar de lá! - disse Yuri, entusiasmado - Bem, agora eu preciso terminar os meus atendimentos neste setor, então, como eu disse, não desista do tratamento e eu desejo o melhor para você Enzo! Para você também Daniel! 


Assim, Yuri deixou o quarto e continuou o seu trabalho pelo hospital. Logo em seguida, Daniel se dirigiu a Enzo:

- Você ouviu? Nós formamos um belo casal!
- É claro que eu sei disso! - respondeu Enzo em tom brincalhão - Você é lindo por nós dois! 
- Não é verdade! - disse Daniel enquanto acariciava o cabelo de Enzo - Você é extremamente lindo! 
- Tudo bem, vamos fingir que isso é verdade - disse Enzo rindo - Mas, mudando de assunto, você não acha que os meus pais estão demorando? 
- Ah Enzo, eles devem estar ocupados com os preparativos da sua volta para casa! Afinal, eles tiveram que fazer algumas mudanças para poder facilitar o seu cotidiano lá, conforme Yuri orientou que eles fizessem. 
- Eu sei...Eles tiveram que mudar toda a dinâmica da casa porque eu não posso andar... 
- Não começa amor! Eles não estão reclamando de nada, além disso, Yuri disse que isso seria facílimo de executar! - disse Daniel segurando a mão de Enzo - Lembra do que nós conversamos? Mesmo se você não recuperar o movimento, o que todos estão fortemente crentes de que vai ocorrer, a sua vida vai sofrer algumas mudanças, com as quais você está preparado para lidar. 
- Eu sei amor...desculpa, eu só ainda estou um pouco chateado por essa limitação! 
- Eu posso imaginar amor, mas com os ajustes certos, você sentirá pouca dificuldade em se adaptar a essa "nova vida", digamos assim! Olhe pelo lado bom, você está indo para casa! 
- Sim! Isso é muito bom amor! Obrigado por me lembrar disso! Você sempre sabe como me animar! 

Por volta de dez horas da manhã, o pai de Enzo chegou para levá-lo para casa. Quando chegaram ao local, o rapaz foi surpreendido por várias pessoas que o esperavam para lhe felicitar pela saída do hospital e fazer bons votos em relação à sua recuperação. Após várias pessoas abraçarem e falarem com Enzo, Guilherme se aproximou para falar com o rapaz:

- Ei sexy! Você está de volta! - disse ele ao abraçar o rapaz - E continua tão lindo quanto sempre foi!
- Oi Gui - disse Enzo rindo - Você não consegue deixar de ser sedutor nem com a presença do meu namorado, não é mesmo?
- Desculpe Daniel, mas isso faz parte de mim! - respondeu Guilherme.
- Não tem problema Guilherme! - respondeu Daniel - Desde que você mantenha as suas mãos longe do meu namorado!
- Pode ficar tranquilo cara! - disse Guilherme repousando a mão esquerda no ombro de Daniel e a direita no de Enzo - Eu sei que ele não quer nada comigo, e...bem, vocês são um bonito casal!
- Com certeza! - disse Pietro, que acabara de chegar - Desculpe o atraso Enzo, eu não consegui ser liberado da aula mais cedo, como eu tinha planejado.
- Oi Pietro - disse Enzo, estendendo o braço para abraçar o amigo, que retribuiu o gesto - O importante é que você veio!
- Eu não ia perder esse momento tão importante para você! Eu estou feliz por poderes voltar ao seu lar!

Daniel confessou a Enzo que ele planejara a pequena recepção no dia anterior com a ajuda dos pais do rapaz, Pietro e Guilherme. Os três rapazes passaram a conviver bastante durante os meses em que Enzo estava no hospital, visto que Daniel sempre estava lá quando Pietro e Guilherme, individualmente ou mesmo ambos, iam visitar o rapaz. Assim, os quatro criaram uma espécie saudável de vínculo durante esse tempo, mesmo que os três tivessem sido anteriormente adversários na conquista do coração de Enzo. Nesse sentido, Pietro e Guilherme tinham uma surpresa para ele: 

- Enzo... eu e o Guilherme precisamos de contar uma coisa - disse Pietro.
- O que é Pietro? Fala! - disse Enzo apreensivo.
- Calma! Não é nada de grave! - respondeu Guilherme - É que eu e o Pietro estamos saindo sabe... como você é o nosso melhor amigo, achei que gostarias de saber!
- É claro que eu queria saber! - respondeu o rapaz eufórico - Contem-me tudo! Desde quando? O que rolou?
- Calma - disse Pietro rindo - Estamos apenas no começo, tipo saindo para ver no que vai dar! O Guilherme está me mostrando o "mundo" gay! Como você sabe, eu não sou muito experiente nisso.
- E o Guilherme com certeza é um expert! - respondeu Enzo rindo - Conhece tantas coisas que às vezes eu tenho até medo!
- Ei! - protestou Guilherme - Eu apenas tive muito boas experiências durante a minha vida e adquiri alguns conhecimentos ao longo do caminho!
- Eu sei Gui! Estou apenas brincando! Bem, eu estou bastante feliz que vocês estejam tipo juntos, porque ambos são pessoas muito legais e muito importantes para mim! - disse Enzo - Eu confesso que achei que nada fosse rolar depois daquele dia em que vocês saíram para a balada juntos, mas pelo visto eu me enganei.
- Bem... - disse Guilherme - Digamos que estávamos em "outro momento" naquele dia, então nem nos permitimos tentar nada sério! Mas o tempo que nós passamos com você nos me fez perceber que eu tenho muito em comum com o Pietro e ele é uma pessoa muito agradável para conversar, o que eu adoro, como você sabe!
- Ah... entendi! - disse Enzo - Mas, de qualquer modo, espero que dê tudo certo para vocês!
- Eu também - disse Daniel, que tinha se mantido afastado da conversa.
- Obrigado Daniel! - respondeu Guilherme - Eu também espero que continue dando tudo certo para vocês daqui para frente.

A recepção de Enzo demorou bastante e o rapaz passou boa parte do tempo conversando com Daniel, Pietro e Guilherme. Depois de algum tempo, as pessoas progressivamente se foram, incluindo Pietro e Guilherme, então restaram apenas os pais de Enzo, que depois foram resolver alguns assuntos pessoais, e Daniel, que permaneceu com o rapaz e o ajudou a realizar a transferência da cadeira de rodas para a cama, que estava agora localizada no andar de baixo, como Yuri havia orientado os pais de Enzo, a fim de facilitar a acessibilidade. Os dois permaneceram deitados na cama e, em certo momento, Enzo disse: 

- Daniel...
- Oi amor! O que foi?
- Você acha mesmo que eu vou conseguir voltar a andar? - perguntou Enzo, com um tom de dúvida - Eu sei que as pessoas dizem que sim, mas eu preciso que você seja sincero comigo, o que você acha?
- Amor... eu não entendo absolutamente nada disso, então talvez não seja a pessoa mais indicada para lhe responder isso - respondeu Daniel, com firmeza - Mas, analisando esse tempo que você esteve no hospital e o que o Yuri disse, você teve uma lesão muito grave, o que poderia ter te deixado sequelas ainda mais graves, porém, durante as sessões com o Yuri e com os outros profissionais, você parece ter tido uma melhora considerável! Olha só, você nem sentia nada da cintura para baixo e agora você sente alguma coisa, eu não sei, isso deve significar alguma coisa!
- Sim...
- Mas... se isso não acontecer amor, em uma hipótese bastante pessimista, eu acho que você vai conseguir lidar com isso! Você já passou por muita coisa e eu sei o quão forte você pode ser, então você vai ser capaz de superar isso!
- Amor... - Enzo começou a chorar e Daniel o abraçou - Eu não sei... eu não me sinto mais tão forte! Eu não consigo me ver preso a essa cadeira de rodas e eu estou com medo de não voltar mais a andar.
- Eu entendo o que você está sentindo amor! - respondeu Daniel, acariciando o cabelo de Enzo - Eu imagino que deva ser difícil, mas você deve tentar se manter positivo em qualquer das hipóteses! Se você realmente não voltar a andar, pode contar comigo para qualquer dificuldade que você tenha, assim como com os seus pais e com os seus amigos! Em qualquer dos casos, eu vou permanecer ao seu lado!
- Obrigado amor! Mas eu exatamente não queria me tornar dependente das pessoas para realizar as minhas atividades.
- Você não vai! Lembra o que o Yuri falou? Você pode ser independente, mesmo estando na cadeira de rodas e o tratamento que você vai receber na clínica da UFTU é justamente para lhe ajudar nisso!

Os dois permaneceram conversando até que Enzo caiu no sono nos braços do namorado. Daniel foi bastante eficiente em motivar o rapaz a ser mais positivo em relação ao seu quadro clínico, ainda que Enzo ainda relatasse muita apreensão em relação ao seu futuro.
Na semana seguinte, Enzo teve a sua primeira sessão na Clínica de Reabilitação da UFTU. Naquele dia ele estava agendado para iniciar no Setor de Fisioterapia da instituição, onde ele foi bem recebido pelo profissional responsável pelo seu caso, o qual lhe explicou o seguinte: 

- Como esta é uma instituição-escola, então você será atendido por discentes da universidade que estarão sob a minha supervisão, tudo bem?
- Sim - respondeu Enzo, que já imaginava que isso fosse ocorrer - Eu também estudo aqui, então eu sei que a maioria dos atendimentos é realizado por alunos.
- Isso mesmo! Bem, você será atendido pelo discente Hyago, que está lhe esperando na sala 2 para fazer uma avaliação, para determinar quais as suas demandas. 

Enzo se dirigiu à sala 2 e encontrou quatro estudantes em locais diferentes da sala e, para sua surpresa, entre eles estava Pietro, que estava fazendo alguns exercícios com uma senhora de meia idade e ao vê-lo abriu um sorriso com um tom de surpresa no rosto. Um dos estudantes, o qual ele imaginou ser Hyago, veio em sua direção, apresentou-se e lhe explicou os procedimentos da avaliação, que durou aproximadamente 30 minutos.
Naquela tarde, Pietro foi à casa de Enzo para conversar e encontrou Daniel saindo do local, o qual o cumprimentou: 

- Oi Pietro!
- Oi Daniel, como vai?
- Tudo bem! Já estás de saída?
- Sim - respondeu Daniel - Eu preciso resolver a minha situação na faculdade, pois eu precisei perder muitos dias de aula enquanto estava no hospital com o Enzo!
- Eu imagino, mas vai ficar tudo bem?
- Sim... - Daniel baixou o tom de voz - Bem, não conta para o Enzo, mas na verdade eu não sei, porque a política de faltas da UFTU é muito rígida, eu vou precisar submeter um requerimento de abono de faltas para ser avaliado por uma comissão e eu espero que dê tu do certo, mas o Enzo não precisa saber disso, ou vai ficar triste ou se sentindo culpado, enfim, é melhor poupá-lo!
- Sim, claro! Não se preocupa, eu não vou dizer nada a ele! Eu vim falar com ele, porque hoje nós mal nos falamos enquanto ele estava na clínica.
- Ah sim, ele me disse que te viu lá - disse Daniel animado - Isso parece ter deixado ele contente, porque ele estava bastante relutante em sair de casa hoje, mas quando voltou estava em um humor bem melhor!
- Isso é bom! Ele precisa estar determinado para que o tratamento realmente dê bons resultados!
- Eu sei, e eu acho que o fato de estares lá pode facilitar isso! Bem, talvez pelo fato de ele te conhecer, isso torne as coisas mais fáceis para ele.
- Sim, pode ser isso! Bem, eu não poderei atender ele enquanto estiver lá, e talvez esteja quase sempre ocupado com algum paciente, mas claro que eu sempre vou tentar dar uma força para ele!
- Isso é muito bom! Muito obrigado Pietro, isso vai ser realmente muito importante!
- Que nada! O Enzo é meu amigo, isso é mais do que meu dever!

Desse modo, Daniel partiu em direção à UFTU e Pietro adentrou a casa de Enzo, onde foi recebido pelo rapaz, que estava deitado:

- Oi Pietro! Que bom que você veio!
- Oi amigo! - disse Pietro com um sorriso - Desculpa por não poder te dar atenção hoje, mas eu estava com os meus pacientes!
- Eu sei Pietro, não se preocupe com isso! Eu sou da área da saúde também, lembra? É claro que você deve se concentrar nos seus pacientes enquanto estiver no estágio.
- Eu não achei que fosse te encontrar por lá, mesmo quando você disse que estaria na clínica da UFTU. Eu achei que você fosse ficar no turno da tarde.
- Eu iria, porque no turno da manhã está muito cheio - respondeu Enzo - Porém, um paciente recebeu alta da clínica e eu fui colocado no lugar dele!
- Ah, é verdade, o Seu Rafael, que era atendido pelo Hyago recebeu alta! Bem, que legal que nós vamos continuar nos vendo regularmente! Espero que você não se canse da minha cara! - disse Pietro.
- Nunca! Você é um dos meus melhores amigos e eu vou adorar que você esteja lá para me apoiar! Sabe, eu não estou muito confiante nesse tratamento! - confessou Enzo, com tom de voz triste.
- Não pense assim Enzo! - protestou Pietro - A sua motivação é um elemento essencial para o tratamento e a Fisioterapia tem avançado cada dia mais em tipos de tecnologia para promover reabilitação! Eu tenho certeza que esse tratamento vai dar certo!
- Bem, assim eu espero - respondeu Enzo resignado - Amanhã eu tenho a minha primeira consulta no Setor de Terapia Ocupacional, eu espero que seja tão bom quanto foi no hospital com o Yuri!
- Bem, eu não conheço muito a profissão, mas eu já ouvi comentários bastante positivos em relação ao curso de Terapia Ocupacional da UFTU e sobre o serviço que os estudantes prestam na clínica!
- Isso é bom! Amanhã eu te conto como foi então, aí nós veremos se esses comentários são verídicos!

Pietro e Enzo permaneceram conversando pelo resto da tarde sobre diversos assuntos, incluindo mais detalhes sobre a relação entre o rapaz e Guilherme, que aparentemente estava indo bem e eles estavam se encontrando em uma base regular durante a semana. No início da noite, Pietro foi embora para casa e Enzo se manteve realizando atividades rotineiras, como assistir televisão, ler alguns livros e jantar com os pais.
No dia seguinte, na Clínica de Reabilitação da UFTU, Enzo foi recebido no Setor de Terapia Ocupacional por um discente, que prontamente se apresentou: 

- Bom dia Enzo, meu nome é Lucas e eu vou atendê-lo aqui neste setor. Nós vamos realizar alguns procedimentos para avaliar as suas habilidades e identificar o que nós podemos trabalhar prioritariamente durante as nossas sessões.
- Bom dia Lucas, tudo bem, nós podemos começar logo? - disse Enzo impaciente.
- Claro... 

A avaliação durou aproximadamente 40 minutos, após os quais Enzo estava ainda mais impaciente. Porém, antes de ir embora, Lucas perguntou a ele:

- Desculpa a minha intromissão, mas você não é aquele rapaz que teve várias fotos espalhadas pela UFTU há algum tempo atrás?
- Ah... sim, sou eu! - disse Enzo ainda impaciente - Por que? Vai rir disso também?
- Não, de jeito algum! - respondeu Lucas com firmeza - Eu fui um dos que estava lá te aplaudindo!
- Sério... Bem, obrigado então... - respondeu Enzo incerto - Olha, desculpe se eu estou sendo um pouco rude hoje, mas é que eu realmente sinto um pouco de vergonha por estar nessa cadeira e isso me deixa estressado!
- Enzo, eu posso ser sincero com você?
- Claro!
- Olha, da mesma forma que você não se importou depois que aquelas fotos foram afixadas em toda a universidade, eu acho que você também não deveria se importar com a cadeira, ainda que você se sinta pouco à vontade com ela! Como profissional eu preciso treinar com você a realização das atividades incluindo a possibilidade de você ficar na cadeira de rodas, mas eu posso te garantir que o meu foco também vai ser te "tirar" daí!
- Bem, obrigado!

Enzo saiu da clínica imaginando o porquê de Lucas ser tão simpático com ele, sendo que ele havia se portado de maneira bem irritante durante toda a avaliação. Por mais que, como profissional, Lucas fosse obrigado a tratá-lo bem, ele sentia que o modo como ele se portou no final, fazendo perguntas e votos pessoais, denotava algo a mais do que simplesmente interesse profissional, porém, ele ainda não compreendia o que mais estaria por trás daquele comportamento.
Na mesma semana, Enzo ainda teria mais um atendimento com Lucas, porém ele ficou surpreso em saber que ele seria atendido por outro discente de Terapia Ocupacional, cujo nome era João. O rapaz lhe explicou que Lucas tinha adoecido e não poderia atendê-lo naquele dia.
No dia anterior ele tinha tido um dia bastante difícil na sessão de Fisioterapia, já que o tratamento ambulatorial seria um pouco diferente do que ele estava acostumado no hospital e hoje ele estava ainda mais cansado devido ao atendimento realizado por João. Entretanto, naquele dia o seu humor estava bem melhor do que na semana passada, visto que ele estava finalmente de volta ao seu lar e a sua relação com Daniel estava cada dia mais sólida. Nesse sentido, ele se sentia um pouco culpado por ter tratado Lucas de forma tão bruta anteriormente. Além disso, ele estava curioso para saber por que o rapaz o havia tratado tão bem. Não havia nenhum tipo de interesse afetivo ou sexual, ele apenas se sentia curioso, porque, ainda que evidentemente os discentes tenham que tratar bem os seus pacientes, ele sentiu um tipo de tratamento diferente por parte de Lucas durante a sessão da semana anterior.
Depois da sessão, Enzo encontrou Daniel na "Snacks", como eles haviam combinado no dia anterior, já que o rapaz não poderia acompanhar o namorado nas sessões de Fisioterapia e Terapia Ocupacional porque tinha aula no mesmo horário e já que ele quase perdera o semestre por faltas, ele não poderia estar ausente de nenhuma aula dali por diante. Ao percorrer os corredores da UFTU com a cadeira de rodas, Enzo se sentia desconfortável, mas o sorriso no rosto de Daniel quando ele chegou na lanchonete amenizou aquele sentimento. Quando ele se aproximou da mesa em que Daniel estava, este se levantou e disse:

- Espera - disse ele movendo uma cadeira para que Enzo pudesse se posicionar perto da mesa - Pronto, agora você tem um espacinho para a sua cadeira particular! - concluiu ele beijando Enzo.
- Sim, esse monstro que está acoplado ao meu corpo! - disse Enzo rindo - Mas vamos esquecer dele e nos concentrar em você - Enzo tocou o rosto de Daniel - Como foi a aula hoje?
- Ah, foi bem interessante para mim, mas provavelmente se eu comentar será bem entediante para você Sr. Ciências da Saúde! Na verdade, eu prefiro que nós conversemos sobre o seu atendimento de hoje! Como foi? Você maltratou o seu terapeuta de novo? - respondeu Daniel rindo.
- Cale a boca Sr. Ciências Humanas! Eu não maltratei ele, eu apenas estava um pouco estressado! Mas de qualquer forma ele não foi hoje e eu fui atendido por outra pessoa.
- Meu deus! Você assustou tanto o rapaz que ele até desistiu do curso! Nossa, você é muito malvado amor!
- Deixa de ser palhaço! Eu não sou malvado!
- Não tem problema amor! Eu amo o meu malvadinho!
- Eu também te amo palhacinho! Qualquer dia eu vou sentar você aqui no meu colo e lhe dar umas palmadinhas, para você ver como eu sou malvado, então!
- Hmm! Parece bom! Quer fazer isso agora ou depois? - os dois começaram a rir.

Os dois permaneceram conversando na lanchonete até uma hora da tarde, quando Daniel disse:

- Amor, eu acho melhor eu te levar logo para casa, já que eu tenho que estar de volta às duas da tarde para a minha próxima aula!
- Tudo bem amor, mas se você quiser eu posso pedir para o meu pai vir me buscar ou mesmo pegar um ônibus! - respondeu Enzo.
- De jeito nenhum! Eu não estou fazendo nada mesmo! Outro dia você faz uma dessas alternativas, mas hoje eu quero lhe levar até a sua casa!
- Entendido senhor! - disse Enzo batendo continência.
- Ah, então eu não o único palhaço aqui né?
- Bem, na verdade não, mas você com certeza me ganha nesse quesito!

Desse modo, Daniel levou Enzo até a cada do rapaz e depois voltou para a UFTU. Quando chegou em casa, Enzo prontamente deitou para descansar do esforço realizado no atendimento. Quase no fim daquela tarde, Pietro apareceu para conversar com o rapaz:

- Oi Enzo, como você está?
- Oi Pietro - respondeu Enzo - Eu estou bem, mas e quanto a você? Pareces um pouco tenso hoje!
- E eu estou mesmo amigo... eu preciso te contar uma coisa... mas eu não sei como...
- Nossa Pietro, não me deixa nervoso! Conta logo! Eu não vou te julgar ou rir se for algo sério!
- Na verdade isso não é bem sobre mim... por isso eu não sei se deveria te contar, mas eu realmente não sei como reagir a isso!
- Como assim? É algo sobre o Gui? O que é Pietro, e conta! - disse Enzo aflito.
- Sim... Bem, eu preciso te contar isso, porque a minha cabeça está a mil!
- Tudo bem, mas se acalma primeiro e me conta todos os detalhes do que está acontecendo.
- Ok - respondeu Pietro, e depois de um profundo suspiro ele continuou - Bem, eu e o Guilherme estamos em uma relação, como você sabe, então há alguns dias nós combinamos de fazer um teste de HIV para ter certeza de que nós estaríamos livres de preocupações em relação a isso. Bem... o problema é que o teste do Guilherme deu positivo...
- Meu deus! - exclamou Enzo - Mas por que ele não está aqui com você me contando isso?
- Ele meio que ficou transtornado com a notícia e disse que queria ficar sozinho e... bem, eu também preciso de um tempo para pensar nisso na verdade.
- Mas o que está se passando pela sua cabeça Pietro?
- Muita coisa Enzo! - respondeu o rapaz - Eu não tenho muita experiência sexual, então estava praticamente tranquilo quanto a isso. Nós usamos camisinha, mas, eu não sei, eu sinto como se eu pudesse mesmo assim ter contraído o vírus. Eu gosto dele Enzo, por isso não queria deixar isso atrapalhar o que nós estamos começando, mas isso parece ter me afetado tanto quanto a ele.
- Calma Pietro! Olha, se vocês usaram camisinha, então as chances de teres contraído é muito pequena ou quase nula. Além disso, hoje em dia existem muitas alternativas para tornar a vida do Gui o mais fácil possível e talvez ele nem desenvolva AIDS, que é o que realmente precisa ser evitado a todo custo.
- Eu sei Enzo, mas eu vou ter que me proteger a todo custo e estar sempre alerta dentro desse relacionamento!
- Ah Pietro, é claro que você vai precisar se proteger para não contrair o vírus, mas não pense que você vai ter que ficar paranoico em relação a isso! Com os cuidados necessários, vocês dois vão poder seguir com a relação normalmente! - assegurou Enzo.
- Bem, eu acho que você tem razão! Desculpa, eu acho que eu reagi exageradamente! Mas é que eu realmente não esperava isso!
- Que nada Pietro, isso é compreensível! Eu acho que a ideia de vocês foi ótima e, em um certo ponto de vista, isso foi bom, pois revelou algo sério que precisa ser tratado e que vai afetar um pouco a relação de vocês - respondeu Enzo - Por isso, eu acho que vocês dois precisam conversar sobre isso e realizar os procedimentos necessários daqui para frente.
- Sim, eu vou fazer isso! Obrigado por me ouvir Enzo, eu acho que era somente disso que eu precisava! Alguém que me passasse segurança! - disse Pietro abraçando Enzo.
- De nada amigo! Eu espero que dê tudo certo! - respondeu Enzo - Eu vou esperar o Gui vir conversar comigo e, se você quiser, eu posso fingir que não sei de nada! - ele finalizou rindo.
- Obrigado - disse Pietro, também rindo - Isso seria ótimo! Afinal eu não tinha o direito de revelar isso sem o consentimento dele.
- Então assim será! - assegurou Enzo - Olha, essa iniciativa de vocês até me motivou sabia?! Eu acho que todos os casais e, na verdade, todas as pessoas que têm uma vida sexual ativa precisam fazer periodicamente um teste para verificar HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis! Eu acho até que farei isso!
- Bem, na verdade essa foi uma iniciativa do próprio Guilherme - disse Pietro - Eu fiquei um pouco resistente no começo, já que, como eu disse, eu não tenho uma vasta vida sexual, mas depois eu pensei ' por que não né?' e, bem, graças a deus que eu topei!

Nesse momento, a campainha tocou e Pietro foi até a porta, onde ele encontrou Daniel do lado de fora:

- Oi Daniel, pode entrar!
- Oi Pietro! Como estás? - disse Daniel um pouco surpreso - O que aconteceu, o Enzo te contratou para atender à porta?
- Não amor, isso é trabalho escravo mesmo! Esqueceu que eu sou malvado? - respondeu Enzo rindo.
- O que? - disse Pietro sem entender.
- Nada Pietro, eu estou apenas brincando! - respondeu Enzo - É que o meu namorado acha que eu sou malvado com as pessoas!
- Você não soube Pietro, que o seu amigo maltratou o terapeuta ocupacional dele no primeiro atendimento?
- Não estava sabendo disse Enzo! Como assim?
- O Daniel faz tudo parecer horrível! Ele é muito exagerado! - protestou Enzo - Eu não "maltratei" ninguém! Eu apenas estava um pouco mal-humorado naquele dia e talvez eu possa ter sido um pouco ríspido com o meu terapeuta.
- Ah, então é isso! Bem, então não faça mais isso Enzo, ou então eu também vou acreditar que você é malvado - disse Pietro rindo.
- Ai, o que eu fiz para merecer vocês dois!
- Boa coisa não foi! - disse Daniel enquanto abraçava e beijava o namorado.
- Bem gente, eu não vou atrapalhar o momento de vocês, então eu já estou de saída! - disse Pietro.
- Já?! - exclamou Enzo.
- Que isso Pietro, pode ficar aí! Você não está atrapalhando nada! - respondeu Daniel.
- Obrigado Daniel, mas eu realmente preciso ir! Além disso, eu já conversei bastante com o Enzo hoje e ele me deu ótimos conselhos, que eu preciso colocar em prática.
- Tudo bem então, até mais! E boa sorte com o que precisas resolver!
- Obrigado Daniel! - disse Pietro enquanto se dirigia a Enzo, e enquanto o abraçava disse: - Muito obrigado amigo!
- De nada! Eu quero saber de tudo depois viu!
- Pode deixar!

Assim, Pietro deixou a casa de Enzo decidido a colocar em prática o que Enzo lhe dissera sobre a situação que ele estava vivendo com Guilherme atualmente. Depois que ele saiu, Daniel perguntou a Enzo:

- Do que ele estava falando amor? Que conselhos você deu a ele?
- Amor... - disse Enzo incerto - Eu acho que não posso revelar isso por enquanto, então você vai ter que acreditar em mim quando eu digo que é uma situação um pouco complicada.
- Bem, eu acredito em você. Mas isso é tipo um segredo?
- Não é bem um segredo, mas é algo que envolve outra pessoa que ainda não me contou esse algo e por isso e não posso falar disso, porque tecnicamente eu não sei de nada ainda... - disse Enzo - Espera, isso fez sentido?
- Não muito - disse Daniel rindo - Mas tudo bem, eu vou entender que você vai falar sobre isso comigo somente daqui a algum tempo, certo?
- Certíssimo amor! - disse Enzo - Você é o melhor namorado! Lindo e inteligente!

Daniel ficou com Enzo até dez horas da noite e depois foi para casa. Depois que o namorado saiu, Enzo deitou e, enquanto lia um livro, refletia sobre o que Pietro havia lhe contado sobre Guilherme. De repente, uma pergunta veio em sua mente 'Desde quando Guilherme estava infectado com o vírus HIV?', a qual veio seguida de outra 'Se ele já estivesse com o vírus na época em que nós namoramos, então eu poderia ter contraído, já que nós chegamos a fazer sexo sem camisinha?'. Com esses pensamentos em mente, Enzo decidiu que no dia seguinte ele faria um teste para tirar a dúvida de sua cabeça e, pensando ainda mais no assunto, ele resolveu que convidaria Daniel para fazer isso com ele.
Dessa forma, quando Daniel apareceu no dia seguinte para visitá-lo, Enzo prontamente disse:

- Amor, eu quero que a gente faça um teste de HIV!
- Como assim amor? - disse Daniel perplexo - Por que esse desejo repentino de fazer um teste desse tipo? Tem algo errado amor?
- Não amor, fica tranquilo! Está tudo bem comigo! - assegurou o rapaz - Porém, eu já tive uma vida sexual antes de você e eu quero que nós fiquemos tranquilos em relação a isso, já que nós já iniciamos nossa vida sexual juntos! Eu li em uma revista que vários casais, principalmente em relações homoafetivas, fazem isso ao iniciar um relacionamento!
- Bem, se você realmente quer fazer isso, eu não vejo problemas! Mas nós estamos um pouco atrasados né? Já que a nossa relação não está no começo e nós inclusive já fizemos sexo - disse Daniel rindo.
- Você tem razão! - respondeu Enzo também rindo - Porém - ele adotou um tom mais sério - Eu realmente quero fazer isso, mesmo assim! Eu quero ficar tranquilo quanto a isso! Bem, eu quero que você faça comigo mais por que eu quero a sua companhia, mas você praticamente não teve vida sexual ativa até agora, então é mais por mim mesmo.
- Tudo bem amor! Se você quer, nós vamos fazer isso sim! - respondeu Daniel - Inclusive vamos marcar isso agora - disse ele tirando o notebook da mochila.

Os dois marcaram a coleta de sangue para terça-feira da próxima semana, depois da sessão de Terapia Ocupacional de Enzo.
Na terça-feira, enquanto aguardava ser chamado na sala de espera, Enzo viu Lucas passar em direção à sala de Terapia Ocupacional, porém, quando este veio lhe chamar para o atendimento, ele estava na companhia de João, o qual, segundo Lucas, seria o discente responsável pelo seu caso dali para a frente pois ele não poderia mais atendê-lo. Assim, João novamente realizou o atendimento com Enzo, focando principalmente no treino do uso da cadeira de rodas.
Enzo não compreendia o porquê de Lucas ter repassado o seu caso para outra pessoa sem uma explicação plausível e resolveu que ele iria indagá-lo sobre isso na próxima oportunidade que ele tivesse de conversar a sós com o rapaz. Isto ocorreu bem antes do que ele imaginava, já que, quando ele estava na saída da Clínica de Reabilitação da UFTU, alguém tocou em seu ombro e disse:

- Desculpa Enzo, mas você esqueceu o seu celular na mesa - disse Lucas.
- É mesmo! Obrigado Lucas!
- De nada! Bem, tenha um bom dia! - disse o rapaz virando-se em direção ao interior da clínica novamente.
- Espera Lucas! - disse Enzo.
- Sim...
- Eu posso te perguntar uma coisa?
- Ah, eu acho que sim... o que é?
- Por que você simplesmente repassou o meu caso para outra pessoa?
- Err... Eu tive alguns problemas na quinta-feira passada e não pude atendê-lo, então, como o João disse que o primeiro atendimento de vocês foi ótimo, eu preferi repassar você para ele... afinal, eu acho que você se sentiu mais à vontade com ele de qualquer modo, certo?
- Ah... Olha, sobre isso, eu queria me desculpar se eu fui um pouco grosseiro com você semana passada, mas eu realmente não estava me sentindo muito bem! Se isso lhe deu uma impressão errada sobre mim e por isso você me repassou, eu acho que isso deveria ser revertido.
- Olha, na verdade, esse não foi o real motivo Enzo e eu não tenho tempo suficiente para explicá-lo agora, mas eu não posso mesmo voltar a te atender, tudo bem?
- Mas qual o problema então?
- Faz o seguinte, pergunta para o seu namorado, se o meu nome o lembra de alguma coisa e na quinta-feira a gente conversa sobre isso, pode ser?
- Bem, eu acho que sim... mas eu não entendo o que o Daniel tem a ver com isso!
- Você vai descobrir! - assegurou Lucas - Agora eu realmente preciso ir! Te vejo na quinta-feira!

Enzo ficara ainda mais curioso em relação àquele rapaz e agora estava muito mais interessado em descobrir o porquê da troca de discentes para o seu atendimento, principalmente porque, de alguma forma, Daniel estava envolvido nisso.
Depois disso, como combinado, Enzo e Daniel se encontraram para se submeterem à coleta de sangue. Depois do procedimento, os dois rumaram de carro para a casa de Enzo. Enquanto estavam no trajeto, Enzo perguntou:

- Amor, o que o nome Lucas te lembra?
- Lucas?... - Daniel respondeu, sem entender - Nada em especial, por que amor?
- Ah, quantos Lucas você conhece, que estudam na UFTU?
- Bem, tem dois rapazes chamados Lucas na minha sala... fora eles, não conheço mais ninguém! Mas por que esse interesse?
- Ah, eu não sei... esquece...
- Não! Por que o interesse? Agora você vai ter que me contar!
- Tudo bem... Você lembra do meu terapeuta, com que eu fui "malvado"?
- Claro! Eu nunca vou esquecer que você realmente tratou mal alguém!
- Cala a boca! - disse Enzo rindo - Eu já disse que eu não fui "malvado de verdade"! - Então ele adotou um tom mais sério - Bem, ele não vai ser mais meu terapeuta e, aparentemente, é por algum motivo relacionado a você!
- A mim?! Mas eu nem conheço o seu terapeuta! - respondeu Daniel, surpreso.
- Bem, ele disse que o nome dele te lembraria alguma coisa!
- Enzo, eu juro que não conheço nenhum Lucas na UFTU, fora os meus colegas de classe... - Daniel pensou um pouco sobre o assunto - Bem, talvez eu não o conheça da UFTU. Deixe-me pensar... eu conheci um Lucas nas aulas de natação, mas nós nunca fomos próximos... e também tem o... - Daniel se surpreendeu com a possibilidade - Também tem o filho da Rita, lembra? Eu te contei sobre ele! O nome dele era Lucas! Mas eu nunca mais o vi, então não sei por que ele não te atenderia por minha causa, se realmente for quem eu estou pensando!
- Sim! Eu lembro do que você me contou! Bem, é possível que seja ele, mas então qual o problema?
- Eu não faço a mínima ideia! - respondeu Daniel com firmeza.
- Bem, desculpa ter incomodar com isso, mas eu fiquei perplexo quando ele me disse isso!
- Não tem problema amor! Mas, mudando de assunto, eu tenho um convite para te fazer!
- O que é? Fala!
- Calma - respondeu Daniel, rindo - Na verdade, o convite é do meu pai! Ele me disse que você está convidado para um jantar na minha casa amanhã à noite!
- Sério? - disse Enzo, surpreso - Que legal! Claro que eu vou! Adorei o convite, embora o seu pai não tenha falado muito comigo desde aquele dia em que ele foi na minha casa.
- Bem, ele tem tentado ser bem compreensivo - explicou Daniel - Mas você sabe, os pais geralmente têm mais dificuldade em aceitar homossexualidade! Mas ele está indo bem! Eu juro que o convite veio dele e, inclusive, eu fiquei muito surpreso com isso também! Mas enfim, eu vou dizer a ele que você aceitou!

Aproximadamente meia hora depois que Daniel deixou Enzo em casa, Guilherme chegou na casa do rapaz e, prontamente, iniciou o assunto:

- Enzo, você já sabe não é? - ele tinha um olhar triste no rosto.
- Sim... eu não deveria te contar que eu sei, mas isso não importa! Então me conta, como você está se sentindo? Pode me dizer o que está passando na sua cabeça!
- Primeiro, desculpa! Você deveria saber disso por mim... mas eu estava muito... envergonhado, então você acabou sabendo pelo Pietro!
- Isso não tem a menor importância Gui! - disse Enzo, abraçando Guilherme - Cada um tem o seu tempo e, além disso, você não tem nada pelo que estar envergonhado!
- Eu sei Enzo... - respondeu Guilherme, enquanto se desvencilhava de Enzo - Mas cara... eu fico pensando em como eu deveria ter sido mais cuidadoso com as pessoas com quem eu já fiz sexo! Já passou um filme na minha cabeça e, eu fui muito irresponsável Enzo! Inclusive, a gente... você sabe, nós nunca usávamos nada!
- Eu sei Gui! Eu já estou verificando a possibilidade!
- Enzo, se eu te passei alguma coisa... - Guilherme começou a chorar - Desculpa! Eu nunca iria me perdoar...
- Calma Gui! Provavelmente eu não tenho nada, mas vamos esperar pelos resultados de qualquer forma! - disse Enzo, em tom calmo - Não se preocupa com isso agora! O que você realmente deveria fazer é contatar as pessoas com quem você teve relações nos últimos tempos, porque corre algum risco de elas possivelmente terem contraído o vírus e, sem saber, estarem o disseminando!
- Sim, você está absolutamente certo e eu estou fazendo isso, mas eu... eu mantive relações com tantas pessoas em São Paulo... é por isso que eu estou envergonhado!
- Esquece isso! Ninguém tem o direito de te julgar por isso e eu, com certeza, não te julgo! Você tem a liberdade de se relacionar com quantas pessoas você quiser, já que você é solteiro!
- Valeu Enzo! Você é um ótimo amigo! - disse Guilherme - Quer saber, vamos esquecer esse assunto e falar de outra coisa?!
- Concordo plenamente! Inclusive eu já até sei sobre o que falar! Você não vai acreditar no que aconteceu comigo hoje...

Enzo contou a Guilherme o que acontecera naquela manhã depois da sessão de Terapia Ocupacional. Depois de ouvir os fatos, Guilherme fez a seguinte consideração:

- Enzo, é simples, leva o Daniel com você na quinta-feira e confronta logo esse cara! Por que ele tem que ser tão misterioso?! Ele já ouviu falar de "ir direto ao assunto"?!
- Concordo com você! Ele tem sido tão estranho desde o dia em que nós nos conhecemos! Mas, de qualquer modo, eu não acho uma boa ideia confrontar ele no local de estágio e o Daniel também não pode ir, já que ele não pode perder nenhuma aula, sem uma boa justificativa!
- Ah, é verdade! O Pietro comentou algo desse tipo comigo! Bem, então convida ele para almoçar e acabar logo com esse mistério! Não gosto de nada misterioso! Eu fico logo curioso para descobrir todos os detalhes!
- Você é impossível Gui! - disse Enzo rindo - Mas valeu pelo conselho, acho que é realmente uma boa ideia e é isso mesmo que eu vou fazer!

Os dois permaneceram conversando até que, alguns minutos depois, a mãe de Enzo chegou em casa. Ao ver Guilherme, Maria disse:


- Olá Guilherme! Como vai?
- Oi dona Maria - respondeu Guilherme enquanto abraçava a mãe de Enzo - Eu estou bem! E a senhora? Linda como sempre!
- Ah, deixe de bobagem! - respondeu Maria rindo - Eu também estou bem meu filho! O que vocês dois estão aprontando hoje?
- Ah, nada em especial Dona Maria! Agora que o seu filho é comprometido com outra pessoa, a gente não apronta mais nada! Só estávamos conversando mesmo!
- Gui! - exclamou Enzo, rindo e corado - Isso lá é coisa que se diga para a minha mãe?!
- Ah meu filho, eu não sou nenhuma inocente! - respondeu Maria - Eu sei que vocês já devem ter aprontado muito mesmo!
- Viu! Dona Maria sabe das coisas! - disse Guilherme rindo - Bem, mas agora eu preciso ir resolver algumas coisas, então eu vou deixar a senhora curtir o seu filhinho Dona Maria.
- Tudo bem meu filho! Vai com Deus e já sabe, pode aparecer quando quiser!
- Ele sabe muito bem disso mãe - disse Enzo - Bem até demais!
- Cale-se Enzo! Você ama as minhas visitas e não adianta mentir!


Depois que Guilherme foi embora, Enzo e Maria conversaram sobre outros assuntos:

- E quanto a você meu filho - disse Maria - Como você está se sentindo hoje?
- Estou bem mãe! - afirmou Enzo - Por que?
- Bem, meu filho, o seu pai está um pouco preocupado com você! Ele acha que talvez você possa começar a se consultar com um psicólogo para te ajudar nessa fase em que você se encontra!
- Eu estou bem mãe! Eu juro! - respondeu Enzo com firmeza - Se eu estiver precisando de ajuda, eu prometo que vocês irão saber! Por falar nele, onde anda o Senhor Roberto? Ela não estava com você?
- Sim, ele estava! Mas ele foi resolver umas questões do trabalho dele, enquanto eu preferi vir para casa! Você tem certeza, quanto à questão do psicólogo?
- Sim mãe! Eu entendo que vocês estão preocupados comigo e que é provável que muitas pessoas que ficam paraplégicas se beneficiem bastante de consultas com psicólogos, mas eu não preciso no momento! Como eu disse, se eu precisar eu vou deixar vocês saberem!
- Tudo bem! Se é assim, então eu fico mais tranquila! - respondeu Maria - Você precisa de ajuda com alguma coisa? Porque eu vou preparar o almoço agora, mas se você precisar é só chamar.
- Eu acho que não! Bem, eu vou tomar banho agora e talvez precise de alguma ajuda para realizar a transferência para a cadeira de banho! Mas eu vou tentar sozinho e, qualquer coisa, eu grito se precisar da sua ajuda, tá certo?
- Certo! Então eu vou preparar o almoço agora - disse Maria, dando um beijo na bochecha de Enzo e depois se dirigindo para a cozinha.

Enzo, de fato conseguiu realizar a transferência para a cadeira de banho e realizou a sua atividade sem dificuldade, com o auxílio de barras de apoio previamente instaladas pelos seus pais no banheiro. Porém, quando ele tentou realizar a transferência de volta para a cadeira de rodas, ele escorregou e acabou caindo no chão. Ele permaneceu deitado por alguns segundos, então escalou a cadeira de rodas até conseguir sentar. Ele não mencionou o ocorrido para a sua mãe, mas enquanto estava no chão ele chorou pelo fato de depender da cadeira de rodas.
No dia seguinte, Daniel veio buscar Enzo de carro e os dois se dirigiram para a casa do rapaz. Ainda no carro, Enzo contou a Daniel sobre a conversa com Guilherme e a sugestão do rapaz sobre o possível almoço com Lucas, ao que Daniel reagiu positivamente. Quando chegaram no local, o pai de Daniel logo cumprimentou Enzo:

- Oi Enzo! Que bom que você aceitou o meu convite! - Pedro abraçou Enzo, ainda na porta da casa.
- Oi Seu Pedro! - respondeu Enzo, retribuindo o abraço, embora estivesse surpreso com a receptividade de Pedro - Obrigado!
- De nada! Pode entrar e ficar à vontade, a Zuleica vai vir chamar vocês para o jantar em alguns instantes! Eu preciso apenas enviar alguns arquivos para o escritório, então o Daniel pode te fazer companhia por enquanto.
- Tudo bem pai, pode ir lá! - disse Daniel, enquanto acompanhava Enzo, o qual estava conduzindo a cadeira de rodas para a sala de estar.
- Nossa, ele está me tratando tão diferente! - disse Enzo, depois que Pedro havia saído da sala.
- Eu te disse! - respondeu Daniel, que estava sentando em uma poltrona ao lado da cadeira de rodas do namorado - Ele estava todo animado por que você aceitou o convite ontem!
- Isso é legal! Talvez nós possamos até marcar um jantar com toda a família - disse Enzo animado - O seu pai e os meus pais juntos! Finalmente! Agora, mudando de assunto, quem é Zuleica?
- Ah sim - respondeu Daniel, rindo - Ela é a nossa diarista! Vocês nunca se cruzaram porque eu nunca te trazia aqui nos dias em que ela estava! Ela vem um dia na semana para limpar a casa e cozinhar alguma coisa e, às vezes, os meus pais contratam ela para esses jantares mais íntimos, então o meu pai contratou ela para preparar uma coisa especial e nos servir hoje!
- Ah sim! Eu achei que... - Enzo não terminou a frase.
- Você achou o que amor? - perguntou Daniel - Fala!
- Ah, eu achei que o seu pai estivesse com outra pessoa, mas depois eu não quis mencionar isso, porque eu acho que seria um pouco sem noção da minha parte!
- Fica tranquilo amor! - disse Daniel, beijando brevemente Enzo - Eu já estou bem em relação à morte da minha mãe! Mesmo se o meu pai estivesse com alguém, eu não ficaria chateado com o seu comentário!

Alguns segundos depois, Zuleica, a qual era uma mulher aparentando meia-idade, veio chamar os rapazes para o jantar. O pai de Daniel também logo se juntou a eles à mesa. Quando Zuleica serviu o prato principal, Enzo prontamente exclamou:

- Eu não acredito!
- Eu sabia que essa seria a sua reação! - exclamou Daniel.
- O Daniel me disse que você adora strogonoff Enzo! Então eu pedi à Zuleica que fizesse isso para o nosso jantar!
- Muito obrigado Seu Pedro! - respondeu Enzo - Eu absolutamente amo strogonoff!
- Isso é bom! Espero que você goste desse que a Zuleica preparou para nós!

Os rapazes passaram o jantar conversando sobre as novidades na vida de cada um e outras trivialidades. No fim da noite, Enzo estava satisfeito pelo delicioso strogonoff preparado por Zuleica e pelo modo como a vida tinha mudado o pensamento de Pedro, o qual parecia realmente feliz em tê-lo presente em sua casa como namorado de Daniel, sendo que alguns meses antes ele o tinha tratado com indiferença e hostilidade. Naquele momento, ele estava pensando que, apesar de estar momentaneamente em uma cadeira de rodas, a sua vida estava seguindo um bom curso.
Depois do jantar, os três seguiram para a sala de estar e continuaram conversando, enquanto desfrutavam de um bom vinho. Porém, em certo momento, Enzo disse:

- Seu Pedro, eu adorei o jantar! Muito obrigado por ter me convidado! Mas está ficando tarde e eu preciso ir para casa.
- Eu vou te levar em casa -  disse Daniel, porém ele reconsiderou: - Ou você pode dormir aqui, eu acho... tudo bem pra você pai?
- Claro! - respondeu Pedro - Por mim não tem o menor problema!
- Então tá certo! Você quer dormir aqui hoje?
- Eu adoraria! - respondeu Enzo, animado - Mas você pode me levar à clínica amanhã de manhã?
- Eu posso fazer isso! - respondeu Daniel.

Desse modo, os três ainda passaram mais algum tempo conversando na sala de estar, até que Daniel disse:

- Gente, a conversa está boa, mas eu cheguei ao meu limite! Eu preciso dormir!
- Tudo bem meu filho! Eu também vou dormir em alguns instantes! Mas Enzo, você se importa de esperar um momento antes de ir dormir? Eu queria conversar algo bem breve com você!
- Ah, bem - disse Enzo, incerto - Eu acho que sim!
- Por que o senhor quer conversar só com ele pai? - perguntou Daniel, confuso.
- Não é nada de mais meu filho! Eu apenas quero conversar algo com ele! Pode subir e, em alguns instantes eu lhe chamo para nós subirmos o Enzo até o seu quarto.
- Tudo bem, eu acho... eu vou... arrumar o colchão pra ele.
- Bem Enzo - disse Pedro, depois que Daniel havia subido para o quarto dele - Antes que você pense qualquer coisa, eu só queria te agradecer! Eu não tive a devida oportunidade, mas eu queria deixar claro que depois do dia em que eu fui até a sua casa lhe pedir ajuda e você me estendeu a mão sem nenhuma ressalva, apesar do modo como eu havia lhe tratado antes, eu pude realmente perceber o tipo de pessoa que você é! Com certeza, esse tipo de caráter é o que eu espero para alguém que está namorando o meu filho! Eu não ligo, de verdade, para o que as outras pessoas pensam sobre a relação de vocês! Eu estou orgulhoso da escolha que ele fez e quero deixar claro o meu mais sincero apoio a essa relação! Você estendeu a mão ao meu filho quando ele mais precisou de você e isso eu jamais vou esquecer!
- Ah... - Enzo estava sem palavras. Ele realmente não esperava ouvir algo tão positivo de Pedro, mas estava feliz que aquilo tivesse acontecido - Muito obrigado Seu Pedro! É muito importante para mim a sua aprovação e eu fico muito feliz que o senhor tenha uma boa impressão de mim! O que mais eu posso dizer? Muito obrigado, de verdade!
- De nada! - respondeu Pedro - Só mais uma coisa, diz para o Daniel que não é nenhum sentido em vocês dormirem em camas separadas, até porque vocês já dormiram na mesma cama antes!

Assim, Pedro ajudou Daniel a levar Enzo para o andar de cima em sua cadeira de rodas e depois todos foram para as suas respectivas camas. Os dois rapazes, de fato, dormiram na mesma cama e, no dia seguinte, partiram para a UFTU, onde Enzo ficou esperando pela consulta no setor de Terapia Ocupacional da Clínica de Reabilitação e Daniel foi para a aula no Instituto de Ciências Jurídicas da UFTU.
Durante o atendimento, Enzo referiu o evento ocorrido quando ele tentava realizar a transferência entre as suas duas cadeiras, então o seu terapeuta abordou esta habilidade no atendimento, assim como estimulação sensório-motora de membros inferiores e fortalecimento de membros superiores, entre outros componentes.
Depois do atendimento, Enzo aproveitou que Lucas estava sem nenhum paciente em atendimento e pediu para conversar rapidamente com ele. O rapaz o levou para fora da sala de atendimento e disse:

- Pode falar Enzo!
- Lucas, eu falei com o Daniel e ele tem uma possível ideia de quem é você! Mas isso ainda não me ajuda a entender o porquê de você não me atender, então, para esclarecer essa situação, você gostaria de almoçar conosco hoje?
- Ah, eu não vejo problema! - respondeu Lucas em tom hesitante - Mas, eu não sei se vou me sentir à vontade com o Daniel lá!
- Por que? - perguntou Enzo, surpreso.
- Você vai entender!
- Nossa! Você é muito misterioso! Espero que você possa desfazer todo esse mistério hoje, por favor!
- Eu prometo que farei isso!
- Então está combinado! Eu e o Daniel vamos esperar na "Snacks" da UFTU por volta do meio dia! Tudo bem?
- Tudo bem! Eu estarei lá!

Ao meio dia, Enzo e Daniel estavam na "Snacks", esperando por Lucas. Ao ouvir o que o rapaz dissera para Enzo mais cedo naquele dia, Daniel comentou:

- Mas que mal eu posso ter feito a ele, para ele dizer que não se sentir à vontade comigo?
- Eu vou explicar em alguns instantes - disse Lucas, que havia acabado de chegar à lanchonete - Eu posso me sentar?
- Claro Lucas - disse Enzo - Desculpa, mas nós ficamos um pouco incomodados com esse comentário que você fez hoje cedo! Eu estava comentando com o Daniel o que nós conversamos!
- Você definitivamente é o filho da Rita! Meu Deus, quanto tempo!
- Ah, então você realmente tinha ideia de quem eu era?
- É claro Lucas! - disse Daniel, em tom amigável - Nós éramos tipo melhores amigos no passado! Por isso mesmo eu não entendo o porquê de você se sentir desconfortável comigo!
- Bom, eu acho que o que eu tenho a dizer vai explicar esse sentimento - disse Lucas, em tom sério - Enzo, você sabe o que aconteceu entre nós no passado?
- Sim, o Daniel me contou!
- Ótimo! - disse Lucas, ainda em tom monótono - Isso vai nos poupar algum tempo! - Então, dirigindo-se diretamente a Daniel, ele continuou: - Caso você não saiba Daniel, depois do que aconteceu entre nós, a minha mãe fez da minha vida um inferno! Eu tive que confessar para o eu pai o que havia ocorrido e ele me puniu severamente! Eu estou falando de agressão física e psicológica! Depois daquele dia, eu fui obrigado a ir todos os dias à igreja e era continuamente punido em casa. Então, certo dia, a minha mãe teve uma ideia que talvez pudesse me "curar"... uma coisa que durou alguns anos, até que eu pudesse fazer algo em relação a isso!
- Eu não sabia... O que ela fez Lucas? - Disse Daniel, com um aperto no peito.
- Ela... ela me fez ter relações com ela, de modo que eu pudesse "aprender" o que era de fato que eu deveria desejar em outra pessoa... - Lucas não olhava nenhum dos outros rapazes nos olhos. Com a cabeça baixa e os olhos encarando a mesa, ele continuou: - Primeiro ela me fez tocá-la e, com o passar dos anos, ela me obrigou a manter relações sexuais, de fato, com ela.
- Isso é terrível Lucas - exclamou Enzo.
- Quando eu completei doze anos - continuou Lucas, ainda sem fazer contato visual com Enzo ou Daniel - Eu contei isso para a minha professora e ela disse que poderia me levar a uma pessoa que faria isso parar! Eu aceitei, mas não sabia que a próxima coisa que eu veria era a minha mãe sendo presa! Depois disso, a família da minha mãe nunca mais falou comigo, pois eles diziam que eu era um mentiroso e um filho ingrato, além disso, eu passei a viver sozinho com o meu pai, o qual começou a beber muito, a ponto de se tornar um alcoólatra! Ele me agredia quase todos os dias e, logo, também passou a abusar sexualmente de mim dos doze aos quatorze anos, quando eu fui hospitalizado devido a lesões causadas por uma das mais violentas agressões físicas que ele havia me infringido naqueles dois anos. Depois disso, o meu pai perdeu a minha guarda e eu nunca mais o vi. O Serviço Social da cidade tentou me colocar junto com os meus familiares, mas nenhum deles me queria, então eu acabei em um abrigo para adolescentes que sofreram abuso! Lá, eu conheci uma terapeuta ocupacional que trabalha com esse público e ela me contou sobre a profissão dela! Desde então eu sonho em ser um terapeuta ocupacional e é por isso que eu estou aqui agora! Mas, como você pode ter percebido Daniel, a minha vida se tornou um inferno, só porque você queria "brincar" no banheiro!
- Lucas... - Daniel estava sem palavras. Ele não conseguia imaginar o que dizer para alguém que havia sofrido tanto e que, aparentemente, o culpava por isso - Eu sinto muito que você tenha passado por isso! Mas eu não fazia a menor ideia do que tinha acontecido com você desde que a Rita foi embora de casa!
- Eu também sinto muito Lucas! - disse Enzo - Isso que você passou deve ter sido muito difícil, assim como deve ser difícil para você falar sobre isso!
- Não, eu não tenho mais problema para falar disso! - disse Lucas com firmeza - Isso faz parte da minha história e as psicólogas e terapeutas ocupacionais do abrigo me ajudaram a elaborar isso de um jeito saudável.
- Bem... - disse Enzo, sem saber o que mais dizer - Já que você está bem com isso, então pode explicar, porque isso influenciou o seu atendimento comigo?
- É simples! - disse Lucas, encarando Enzo - Nesses anos de terapia, eu nunca realmente falei do Daniel, então nunca elaborei a raiva que eu sinto por ele! No primeiro dia de atendimento, eu estava muito animado por que tinha finalmente te conhecido! Sabe, você é uma inspiração para mim! Ousar daquele jeito em frente a toda a universidade, mesmo sabendo que estava sujeito a preconceito! Mas depois, eu percebi que a pessoa com que você protagonizou o beijo que tanto me inspirou era a pessoa que, praticamente, arruinou a minha vida! Então, eu não posso te atender Enzo, porque eu não tenho certeza se vou ser totalmente imparcial durante as nossas sessões! Eu ainda te admiro, mas realmente o fato de você estar ligado ao Daniel não é um bom fator para uma possível relação terapeuta-paciente entre nós! Isso é tudo o que eu tinha para falar, eu espero que tenha esclarecido as coisas entre nós.

Assim, Lucas saiu da "Snacks" sem dar nenhuma chance para Daniel ou Enzo fazerem qualquer outra pergunta. Enzo havia ficado chocado com o que havia ocorrido na vida de Lucas e ele podia ver nos olhos de Daniel que ele estava devastado com as acusações que o rapaz havia feito. Naquele dia, Enzo havia descoberto o mistério por trás de Lucas, mas ele estava incerto se ele realmente queria estar ciente de todos os fatos que o rapaz compartilhou com ele. Ele e Daniel estavam perplexos com o modo como Lucas conversara com eles, tanto que, depois de saírem da lanchonete, os dois seguiram para a casa de Enzo em completo silêncio dentro do carro, pois, na verdade, não sabiam como elaborar o modo como se sentiam em relação à série de atrocidades que aconteceram com Lucas.
Quando chegaram na casa de Enzo, os rapazes ainda não haviam comentado nada sobre o que eles haviam ouvido há alguns minutos atrás. Somente depois que ambos estavam sentados na sala de estar, Enzo tomou a iniciativa:

- Amor... você acha que eu deveria tentar conversar novamente com o Lucas?
- Enzo - disse Daniel, em tom bastante calmo - Eu não sei o que pensar em relação a isso... Eu não imaginava que tanta coisa poderia acontecer em consequência a um simples gesto de descoberta sexual... Eu...
- Amor, você não deve pensar desse jeito! - disse Enzo, com firmeza - Nem mesmo o Lucas deve acreditar nisso! Isso não tem nada a ver com o que aconteceu quando vocês eram crianças! O problema é que a mãe dele levou a religiosidade a um nível insano e o pai era, aparentemente, um alcoólatra! Eu imagino que ele tenha sofrido muito, e por isso eu quero conversar novamente com ele para poder ajudá-lo, mas ele não tem o direito de dizer que isso é culpa sua!
- Mas eu o levei a isso! - disse Daniel pausadamente, como se estivesse concomitantemente processando as palavras em sua mente.
- Eu aposto que você não o obrigou a isso amor! Pare de se culpar pelo que aconteceu!
- Tudo bem... Mas, você se importa se eu não ficar aqui com você hoje? Eu acho que eu preciso de um tempo sozinho para refletir sobre isso!
- Eu queria muito que você ficasse meu amor! Mas se você realmente precisa de um tempo sozinho, eu posso entender!
- Sim, eu realmente preciso pensar com calma sobre o que eu ouvi hoje! Obrigado amor! - disse Daniel, inclinando-se em direção a Enzo, então o beijou e se levantou do sofá - A gente se vê amanhã, tudo bem?
- Claro! - respondeu Enzo - Mas enquanto você estiver pensando sobre o que o Lucas disse, não se esqueça de que nada do que aconteceu é sua culpa!
- Tudo bem amor!

Assim, Daniel se despediu de Enzo e foi para casa. Enquanto dirigia, o rapaz não conseguia tirar da cabeça as acusações de Lucas, o que quase o fez bater no carro que estava à sua frente. Quando chegou em casa, ele foi recebido pelo pai:

- Oi filho... Tudo bem com você?
- O Enzo falou com o senhor né? - respondeu Daniel - Eu estou bem! Não precisa se preocupar!
- Sim, ele disse que estava preocupado com você e me pediu para avisá-lo quando você chegasse em casa! Mas não me deu mais detalhes... O que aconteceu? - perguntou Pedro, curioso.
- É uma longa história pai!
- Bem, eu não me importo de sentar e ouvir, mas se você quiser pode me contar amanhã!
- Eu prefiro pai! Eu estou cansado, então vou subir para o meu quarto, tudo bem?!
- Claro... - respondeu Pedro.


Daniel tentou descansar. Porém não conseguiu. Ele desceu novamente e, sem dar nenhuma explicação ao pai, pegou o carro e dirigiu até a UFTU. Mesmo sem ter certeza se o encontraria, resolveu procurar por Lucas no Instituto de Ciências da Saúde.
Ele pediu informações a outros estudantes sobre as salas do curso de Terapia Ocupacional e procurou por Lucas em várias delas, porém não o encontrou. Quando estava se dirigindo para a saída, ele sentiu alguém tocar em seu ombro:

- Ei Daniel! - disse Pietro.
- Oi Pietro - disse Daniel, voltando-se em direção ao rapaz.
- Tudo bem? O que você está fazendo aqui no ICS?
- Eu estava procurando um... err... amigo...
- Ah, entendi... - disse Pietro incerto - O Enzo me ligou e pediu para ir até a casa dele! Ele parecia um pouco nervoso... está tudo bem entre vocês?
- Sim! - afirmou Daniel - está tudo bem! Eu acho que sei qual o assunto, mas não é nenhum problema com o nosso relacionamento!
- Que bom! Bem, eu estou indo até a casa dele, você vai ficar por aqui?
- Sim, eu ainda estou procurando o meu amigo...
- Certo... Bom, a gente se vê por aí então! Até mais!
- Até mais Pietro! - respondeu Daniel - Olha, você pode omitir que me encontrou aqui quando for conversar com o Enzo?
- Claro... - respondeu Pietro.

Assim que Pietro foi embora, Daniel se dirigiu para a "snacks", onde ele possivelmente poderia encontrar Lucas, o que de fato ocorreu. O rapaz estava sozinho em uma das mesas na lanchonete, aparentemente estudando. Imediatamente, Daniel se dirigiu ao rapaz e perguntou:

- Com licença Lucas... Nós podemos conversar?
- O que... - respondeu Lucas, instintivamente. Porém, ao ver Daniel, ele disse: - Ah, é você... O que você quer?
- Apenas conversar! - disse Daniel, com firmeza - Por favor! - Acrescentou ele.
- Nós já não conversamos o suficiente hoje de manhã? - respondeu Lucas em tom monótono.
- Na verdade só você falou! - respondeu Daniel, sentando-se em uma das cadeiras do lado oposto a Lucas - Uma conversa precisa de uma interação entre o que duas ou mais pessoas pensam sobre um determinado assunto! Por isso eu estou aqui! Eu quero conversar com você!
- Tudo bem... - disse Lucas, soando entediado - Fala!
- Obrigado! - disse Daniel, com um meio sorriso - Eu queria começar dizendo que, sinceramente, eu sinto muito pelo que aconteceu no passado! Isso me fez sentir, de certa maneira, culpado pelo que aconteceu com você, ainda que isso não seja de fato minha culpa. Eu confesso que esse sentimento de culpa está me matando por dentro, e foi isso que me fez te procurar imediatamente...
- Como eu disse Daniel - interrompeu Lucas - Você é bastante egoísta! Você só se importa com o que aconteceu porque isso te fez sentir culpado!
- Isso não é verdade - disse Daniel, com firmeza- Eu me sentiria triste ao saber que algo tão terrível aconteceu com qualquer pessoa! E eu me sinto ainda mais triste ao saber que isso aconteceu com o meu melhor amigo na infância!
- O melhor amigo que você nunca nem se incomodou em investigar o paradeiro? - respondeu Lucas, em tom irônico.
- Esse mesmo! - respondeu Daniel - E eu peço desculpas por isso também! Mas eu era apenas uma criança quando você foi embora! Eu não tinha como fazer nada! E... bem, eu segui com a minha vida! Mas você foi o meu melhor amigo! Você foi a pessoa com quem eu tive a minha primeira experiência!
- O que não mudou nada na sua vida! Eu até soube que você estava namorando uma garota quando começou a ficar com o Enzo! Você seguiu a sua vida, "normalmente"! Mas aquilo mudou a minha vida totalmente! Não houve nada de "normal" na minha vida desde então!
- Lucas, eu também sofri com o que aconteceu! Não fale como se eu tivesse abusado de você e depois tivesse seguido com a minha vida! Meus pais foram bastante severos em relação ao que aconteceu! Porém... desculpe, mas não é minha culpa que os meus pais não tenham sido tão radicais quanto os seus!
- Sim! Culpe os meus horríveis pais! - respondeu Lucas em tom exasperado - Foram eles que me levaram para aquele banheiro, certo?
- Ninguém te "levou" para lá Lucas! Você me acompanhou espontaneamente para tomarmos banhosjuntos, como nós sempre fazíamos!
- Tudo bem Daniel! Que seja! - disse Lucas, visivelmente irritado - Mas qual o ponto de você me dizer isso agora? O que você quer?
- Eu quero que as coisas fiquem bem entre a gente! Você estuda na mesma universidade que eu e, talvez algum dia, você possa ser meu amigo novamente!
- Por que eu seria seu amigo novamente Daniel?
- Por que talvez isso o ajude a, de fato, me perdoar! Ou mesmo que você não queira ser meu amigo, eu queria que pelo menos você pudesse tirar do seu peito toda essa mágoa! Isso não faz bem a ninguém!
- Você realmente se importa com isso?
- É óbvio! - respondeu Daniel - Talvez nós possamos colocar o papo em dia e você possa me contar as coisas boas que ocorreram com você nesses últimos anos! Eu tenho certeza de que, apesar do que aconteceu, você deve ter vivido muitas coisas boas! Você está estudando na UFTU, uma das melhores universidades do país!
- Bem, isso é verdade - disse Lucas, soando mais receptivo.

Desse modo, Daniel conseguiu convencer Lucas a conversar com ele e, de fato, os dois conversaram durante vários minutos antes de se despedirem, durante os quais o estudante de Terapia Ocupacional parecia bem menos defensivo em relação à presença de Daniel. Enquanto isso, Pietro foi recebido na casa de Enzo:

- Olá Pietro! Como estás meu rapaz? - disse Roberto.
- Oi Seu Roberto! Eu estou ótimo! E o Senhor?
- Bem, eu não tenho do que reclamar! Pode entrar meu filho! O Enzo está no sofá, como sempre!
- Oi amigo! - respondeu Enzo animado - Senta aqui, que nós precisamos muito conversar!
- Nesse caso, eu vou até a cozinha ver o que a sua mãe está preparando para o jantar! Divirtam-se rapazes! - disse Roberto enquanto caminhava em direção à cozinha.
- Valeu pai! - respondeu Enzo - Senta aqui Pietro! - disse o rapaz ao amigo - Você não vai acreditar no que aconteceu hoje! - Assim, ele contou o que Lucas havia dito mais cedo naquele dia.
- Isso é terrível! - disse Pietro, visivelmente surpreso com o que Enzo havia lhe contado - Eu conheço o Lucas! Nós já trabalhamos juntos em um projeto de extensão multiprofissional na UFTU! Eu nunca poderia imaginar que ele tivesse um passado como esse!
- Eu também fiquei muito surpreso com isso! Eu jamais poderia imaginar a minha mãe fazendo algo tão ruim comigo! Eu simplesmente a odiaria para sempre! Além disso, eu acho que eu ficaria devastado depois de ser submetido a esse tipo de experiência!
- Definitivamente! Eu nem sei o que eu faria! - Comentou Pietro - Mas ele parece ter conseguido se sair muito bem! Está na universidade e em breve será um profissional com formação em nível superior!
- Isso é verdade! Ainda bem que ele conseguiu dar a volta por cima! Mas eu ainda quero conversar com ele, pois hoje ele saiu sem me dar a oportunidade de comentar algo sobre o que ele me contou! O Daniel parecia bastante abalado por ter ouvido o Lucas dizer que o que aconteceu era culpa dele! Inclusive eu estou um pouco preocupado! O pai dele me ligou e disse que ele saiu de casa sem dar nenhum tipo de explicação!
- Espera, eu sei onde ele está! - disse Pietro, lembrando-se de algo - Então era por isso que ele estava na UFTU hoje à tarde!
- O Daniel estava na UFTU hoje à tarde? Mas ele não tem aula!
- Exatamente! Ele devia estar atrás do Lucas! - afirmou Pietro, veementemente.
- Nossa! Será que ele o encontrou? - respondeu Enzo - Mas enfim, mudando de assunto, como estão as coisas entre você e o Gui?
- Então... Elas estão meio complicadas! Nós conversamos, como você me aconselhou, e está tudo bem em termos da relação! Ele até me disse que conversou com você e isso realmente o ajudou a se sentir melhor em relação ao que está acontecendo! Mas... eu não sei como explicar... ele me rejeita ultimamente, sabe? Sexualmente...
- Pietro, eu sei que isso pode ferir um pouco os seus sentimentos, mas ele não deve estar fazendo isso de propósito! Ele deve estar apenas confuso ou fragilizado com essa notícia de que ele contraiu HIV! Dá um tempo para ele se sentir melhor em relação a isso! Você sabe se ele já começou o tratamento?
- Sim! Ele teve uma consulta com um médico na quarta-feira passada e foi orientado sobre o tratamento. Ele começou a tomar alguns medicamentos!
- Bem, isso é o mais importante Pietro! Agora você só precisa fazer ele se sentir seguro em relação a manter relações sexuais com você!
- Err... isso! - disse Pietro, corado.
- O que foi Pietro?! - disse Enzo, rindo - Eu não acredito que você ainda tem vergonha de falar sobre isso comigo!
- Ah, eu não sei! - respondeu Pietro - Eu sou meio bobo mesmo! Esquece isso!
- Tudo bem! - respondeu Enzo rindo - mas saiba que eu adoro conversar sobre esses assuntos! Então não hesite em me contar tudo!

No dia seguinte, Enzo fio despertado por Daniel, o qual estava sentado ao lado dele na cama, acariciando-lhe os cabelos.

- Amor... - disse Enzo bocejando - o que você está fazendo aqui tão cedo? - O relógio marcava 8 horas da manhã.
- Desculpa amor! Mas eu queria passar aqui para te contar uma novidade, antes de ir para a UFTU.
- Conta am... - Enzo bocejou novamente - Desculpa! Conta amor! - O rapaz levantou e sentou-se ao lado do namorado.
- Desculpa por vir tão cedo, mas eu queria te contar que o meu pai nos convidou para ir até a nossa casa de campo nesse final de semana! Eu estou indo para a UFTU agora, mas eu vou voltar para te buscar por volta do meio dia porque o meu pai quer partir no começo da tarde, assim nós chegaremos lá no início da noite! Por isso eu vim tão cedo, assim você pode arrumar as suas coisas com calma!
- Err... tudo bem amor, eu vou arrumar as minhas coisas sim! Mas por que você não me avisou isso ontem?
- Eu te liguei, mas você não me atendeu! - respondeu Daniel.
- Ah, eu realmente dormi cedo ontem! Mas você não me ligou o dia todo depois que você saiu daqui!
- Eu sinto muito amor, mas eu realmente precisava de um tempo só para mim! E você vai ficar feliz de saber que, inclusive, aquela história de ontem já está toda esclarecida! Mas eu vou te contar isso mais tarde porque eu realmente já estou atrasado amor! - disse Daniel, correndo em direção à porta - Eu te amo! Desculpa por ontem!

Por volta do meio dia, Daniel ajudava Enzo a colocar as malas no carro e se despedia dos pais do rapaz:

- Não se preocupem - disse Daniel, animado - Eu vou cuidar muito bem do seu filho durante esse final de semana!
- Eu tenho certeza meu filho - respondeu Roberto - Eu confio em você! Eu só tenho uma dúvida: a casa realmente está adaptada para as necessidades do Enzo?
- Sim Seu Roberto! - respondeu Daniel - A casa é relativamente bem acessível, apesar de ser no campo! Nós temos quartos no andar de baixo, então o Enzo não terá problemas para se deslocar pela casa! Além disso, os banheiros são bem espaçosos, o que comporta a cadeira de rodas do Enzo! Mas se algo não estiver de acordo com as necessidades dele, eu garanto que farei o possível para que ele se sinta bem!
- Vocês podem parar de falar sobre mim como se eu não estivesse aqui! - exclamou Enzo.
- Não seja estressado meu filho! - disse Maria - Nós só estamos querendo ter certeza de que você vai estar confortável nessa viagem!
- Eu vou ficar bem mãe! - respondeu Enzo - Eu prometo que vou pedir ajuda ao Daniel se eu tiver dificuldade com alguma coisa! Agora nós podemos ir?
- Sim meu filho - disse Roberto - Mas não sem antes nos dar um abraço bem forte!
- Tudo bem! Venham cá! - disse Enzo, abraçando ambos Maria e Roberto.

A viagem para a casa de campo foi bastante tranquila. Pedro estava bastante animado com a presença de Enzo na viagem, o que fez o rapaz refletir sobre como as coisas haviam mudado desde a morte da mãe de Daniel. Durante os últimos meses, Enzo havia vivido muitas coisas boas ao lado de Daniel, mas ele também vinha enfrentando muitos desafios: Frida o odiava, ele havia sido exposto para toda a universidade como uma pessoa de má reputação, Daniel havia praticamente enlouquecido depois da morte da mãe, entre outros acontecimentos. Para piorar, ele estava preso a uma cadeira de rodas e não tinha certeza se voltaria a andar tão cedo. Pelo menos, agora Pedro o considerava parte da família.
Eles chegaram à casa de campo, a qual estava localizada em um município ao norte de São Patrício, por volta de 6 da tarde. Logo depois que todos despejaram as malas nos devidos quartos, os três se juntaram para jantar. Depois disso, eles se reuniram na sala de estar para conversar, até que, por volta de 9 da noite, Zuleica informou que uma pessoa havia acabado de chegar, a qual, para surpresa de Enzo, era Lucas.

- Lucas! O que você está fazendo aqui?
- Bem... - respondeu o rapaz, incerto - O Daniel me convidou para passar o final de semana com vocês... Ele não te contou?
- Não! - respondeu Daniel - Eu queria fazer uma surpresa! Além disso, eu não sabia se você viria!
- Bem, eu vim!
- Esse que é o pequeno Lucas? - disse Pedro - Nossa, quanto tempo!
- Oi Seu Pedro! Como o senhor está?
- Eu estou bem! Fico feliz que você veio! Sinta-se à vontade! Venha, eu vou lhe mostrar o seu quarto!
- Por que você quis fazer surpresa sobre isso? - disse Enzo, depois que Lucas e Pedro havia se retirado da sala de estar.
- Ah, eu realmente não sabia se ele vinha, então achei melhor esperar! - respondeu Daniel - Eu e ele conversamos bastante ontem e eu resolvi aproveitar essa viagem que o meu pai organizou para melhorar as coisas entre mim e ele!
- Bem... Eu gostaria de saber das coisas... Você não precisa esconder nada de mim!
- Amor, não seja bobo!
- Bobo?! - respondeu Enzo, em tom irritado - Você não falou comigo o dia todo ontem, apareceu de repente com uma viagem para a qual você praticamente me arrastou, e agora eu descubro que você esconde coisas de mim! Me poupe Daniel! Eu acho melhor eu ir para o meu quarto!
- Espera Enzo! - disse Daniel, segurando a cadeira de rodas - Eu sinto muito! Eu deveria ter te contado, mas... eu nem sei o que dizer, eu simplesmente não pensei que isso iria te chatear!
- Eu... Daniel, eu pensei que essa viagem era para a gente... Eu estou me sentindo bobo por ter pensado que... - Ele foi interrompido por um beijo de Daniel.
- Essa viagem é para a gente! - afirmou Daniel - Não tenha a menor dúvida disso! - de repente, o rapaz ajoelhou e, olhando fixamente para Enzo, ele disse: - Enzo, você foi a melhor coisa que já aconteceu na minha vida! Você é a razão de eu estar aqui hoje em dia! Você me deu uma razão para viver! Você é o meu mundo hoje em dia! E eu não posso passar nem mais um dia sendo só o seu namorado, porque eu quero ser bem mais que isso! Eu sei que a gente já conversou sobre isso e concordamos que casamento está fora de cogitação, mas nada nos impede de celebrar uma união informal! Então, você aceita ser "informalmente" meu marido?

- Sabe, as coisas que acontecem na nossa vida nos fazem repensar as nossas crenças - disse Enzo em tom calmo - Eu sempre achei que casamento é uma responsabilidade muito grande, por isso nunca imaginei casar tão cedo. Porém, quando aquele carro me bateu e eu tive que passar meses em recuperação no hospital, eu percebi como o nosso tempo é limitado aqui neste mundo! Há tantas coisas que nós não nos permitimos ou não aproveitamos por achar que ainda temos uma longa vida pela frente! Infelizmente, isto não é verdade para todas as pessoas! Desde então eu me decidi a aproveitar a minha vida de forma mais plena! Portanto, se você me dissesse isso a alguns meses atrás, eu com certeza diria que não. Na verdade, hoje a minha resposta ainda é não, mas...  - Enzo estendeu a mão para Daniel, o qual estava com uma expressão confusa no rosto, e o puxou para si. Então aproximou a sua boca da orelha direita do namorado e sussurrou: -  Eu não quero ser o seu marido de mentira! Mas que tal se você fosse o meu noivo de verdade?
- Amor! - disse Daniel, o qual se afastou de Enzo para poder olhá-lo no rosto. Ambos tinham um enorme sorriso no rosto - Então você quer se casar de verdade?
- Sim! Bem, eu não planejo fazer a cerimônia tão cedo, mas noivar é um passo a mais na nossa relação! Noivar exige um voto ainda maior do que uma simples relação de namoro e essa é a minha forma de mostrar que eu quero viver sem ter medo de assumir cada vez mais responsabilidades! Principalmente, porque você é digno de tal gesto! Você também tem sido grande parte do meu mundo e eu quero assumir esse laço de confiança com você e com a nossa relação! Eu só não me casaria com você agora, porque nós não temos condições de sair da casa dos nossos pais no momento! Mas quando tivermos, eu ficarei feliz de poder chamá-lo de marido! Então, você aceita ser meu noivo?
- É claro! - disse Daniel, antes de beijar o namorado. Os dois se envolveram de modo tão intenso e profundo naquele beijo, que não notaram a chegada de Pedro.
- Err... O seu amigo já está alojado!
- Ah... Oi pai - disse Daniel, corado e sem ter coragem de encontrar os olhos do pai - Obrigado!
- Desculpe pela cena Seu Pedro - disse Enzo, também com as bochechas vermelhas.
- Não tem problema meus filhos! Mas, se vocês quiserem mais privacidade, eu posso voltar em alguns minutos.
- Não! - disse Daniel veementemente - Eu tenho uma novidade pai! Eu não sei se o senhor vai aprovar, mas eu vou contar mesmo assim... - continuou ele em tom animado - Eu e o Enzo estamos noivos!
- Noivos?! Como isso aconteceu?
- Bem, eu pedi para ele ser meu "marido", mas seria de modo figurativo! Então ele disse que queria noivar de verdade! Pois, como sempre, ele quer tomar as iniciativas! - completou ele rindo.
- Espere, eu não entendi... vocês pretendem casar ou não?
- Seu Pedro, eu pedi ao Daniel que nos tornássemos noivos, mas isso irá se prolongar até que tenhamos condições de morarmos sozinho e, aí sim, casar! O senhor aprova isso?
- É claro que não! - disse Pedro, o que causou grande surpresa em Enzo e Daniel. Mas para maior surpresa dos dois, ele continuou: - Inadmissível que nós não façamos um jantar para comemorar e oficializar isso!
- Então o senhor aprova?! - disse Enzo, radiante.
- É claro meu filho! Eu já pude perceber que você é uma pessoa centrada e eu tenho certeza que se você decidiu fazer isso, é porque realmente está seguro da sua decisão! Mas eu quero fazer disso algo muito especial!
- Pai! O senhor não sabe o quanto eu fico feliz que o senhor tenha compreendido a nossa decisão! Eu confesso que estava um pouco receoso em relação a como o senhor iria encarar essa questão de casamento, considerando as suas crenças religiosas!
- Meu filho, depois de perder a sua mãe e quase te perder também, não há como eu não ser mais compreensivo em relação à sua relação com o Enzo! Afinal, foi por causa disto que você decidiu não nos deixar! Eu te amo meu filho, e eu só quero te ver feliz! Eu peço desculpas novamente por qualquer atitude passada que tenha te machucado! Eu ainda tenho uma relação íntima com Deus, mas eu estou mudando algumas crenças para que eu possa efetivamente apreciar o maior presente que ele me deu: você! Este processo pode ser lento, mas eu estou me esforçando!
- Pai! - disse Daniel abraçando o pai - Eu também te amo! O senhor tem sido maravilhoso e eu agradeço todo o seu esforço!
- Enzo - disse Pedro, dirigindo-se ao futuro genro - Eu já te disse isso antes e repito: se o meu filho tem que namorar, ou nesse caso noivar, um rapaz, eu fico feliz que esse seja você! Eu te admiro muito e você ganhou o meu respeito e a minha eterna gratidão ao fazer o meu filho feliz!
- Eu fico lisonjeado seu Pedro! Obrigado! - disse Enzo, levemente corado.
- Tá bom Pai, não enche o Enzo de elogios ou ele vai virar um tomate! Sabe, ele não reage muito bem a elogios!
- Daniel, cale-se! Ou eu vou repensar o meu pedido! - respondeu Enzo rindo.
- A sua casa é linda Seu Pedro! - disse Lucas, descendo os degraus da escada que levava para o andar de cima.
- Ah, obrigado Lucas! Fico feliz que tenha gostado! Sinta-se em casa!
- Foi muito difícil encontrar o lugar? - perguntou Daniel.
- Não tanto. Mas é um pouco difícil de chegar sem um carro! Eu precisei pegar um taxi da rodoviária!
- É uma pena que você não pôde vir conosco mais cedo! Isso te pouparia algum dinheiro! - disse Pedro.
- É, eu realmente não podia deixar de ir para a clínica hoje. Mas tudo bem, a viagem até aqui tem uma bela paisagem e a sua casa de campo vale totalmente a pena!
- Que bom que você conseguiu! E bem a tempo de ser um dos primeiros a saber que em breve estes dois estarão assumindo um compromisso muito mais sério!
- Sério?! Isso é ótimo! Quando será o casamento?
- Não tão cedo Lucas, mas seremos noivos de agora em diante! - respondeu Enzo.
- Ah, entendi! Fico feliz por vocês!

A noite não se estendeu por muito mais tempo, visto que todos estavam muito cansados da viagem em direção à casa de campo. Assim, logo todos se despediram e foram para os seus respectivos quartos, sendo que Enzo e Daniel ficaram no mesmo quarto. Os dois deitaram na cama e ficaram acariciando um ao outro, enquanto conversavam.

- Você é lindo sabia?! - disse Daniel, acariciando o rosto de Enzo - Eu sou o cara mais sortudo do mundo em poder, em breve, te chamar de noivo!
- Obrigado! Você é imensamente mais lindo, mas eu aprecio os seus elogios!
- Depois de muita insistência da minha parte né? - disse Daniel, em tom de brincadeira - No começo eu precisava te elogiar inúmeras vezes, até você aceitar que o que eu estava dizendo era verdade.
- Eu só não reajo muito bem a elogios - respondeu Enzo rindo - Mas obrigado por insistir!
- Com você eu insisto em tudo, porque vale a pena! Eu insisti na minha estúpida ideia de te chamar de meu marido e agora somos noivos!
- É verdade, você foi bem insistente com isso! - disse Enzo, acariciando o rosto de Daniel - Eu admiro a sua persistência e o seu comprometimento! Eu te amo!
- Eu também te amo!  Respondeu Daniel, logo antes de suavemente beijar o namorado. Isto evoluiu para um ritmo mais intenso e, de repente o rapaz sentiu a mão de Enzo tocar a sua virilha, pelve e finalmente parar no botão em sua calça - Amor?! O que você está fazendo?
- Você quer, certo? - sussurrou Enzo para o namorado.
- Sim, mas... - Daniel ponderou - Eu quero! Eu só não sei muito bem como... - admitiu o rapaz.
- Bem... eu meio que perguntei ao Yuri sobre isso, quando eu estava internado - disse Enzo, levemente corado - Mas na verdade, isso vai ser 80% um processo de descoberta que nós vamos ter que trilhar juntos! Eu não tenho pressa e se não conseguirmos, eu já vou estar contente de poder ver o seu corpo nu! - O rapaz ia corando cada vez mais - O seu corpo é lindo e eu gostaria de poder apreciá-lo por completo mais vezes - Então Enzo puxou Daniel para si e continuou o processo de abertura da calça do namorado, o qual não ofereceu resistência.
- Se é isso que você quer, eu estou disposto a tentar - Disse Daniel, enquanto gradualmente retirava as outras peças de roupa, tanto suas como de Enzo. Assim, os dois estavam nus e, calmamente, explorando o corpo um do outro. Eles não tiveram muitos problemas nas preliminares e passaram o tempo que lhes pareceu necessário e prazeroso nesta etapa. Porém, quando estavam prontos para avançar para próxima etapa, Daniel lembrou: - Eu não trouxe camisinha!
- Eu trouxe! - respondeu Enzo, firmemente - Pega no bolso da frente na minha mochila - enquanto Daniel caminhava, ele acrescentou - Eu disse que eu pensava que esse fim de semana fosse para a gente!
- Esse final de semana É para a gente! - respondeu Daniel, enquanto trazia o pacote de camisinhas. Então, deitando-se novamente ao lado do namorado, ele acrescentou - Agora vamos ver se você aprendeu direitinho o que o Yuri te ensinou! - Ele riu, porém mantinha uma feição sedutora.
- Você sabe que eu sou excelente aprendendo as coisas! Principalmente se isso envolve usar e abusar do lindo corpo do meu namorado! - Então Enzo, novamente, puxou Daniel para si e dessa vez não houve mais interrupções.
No outro dia, Enzo foi acordado por Daniel, o qual sussurrava em sua orelha:

- Vamos acordar, dorminhoco?! - ele estava atrás de Enzo e envolvia o rapaz em um abraço.
- Nãão! - respondeu Enzo, em um misto de espreguiçar e falar.
- Mas já são 11h! Precisamos aproveitar o final de semana!
- Tudo bem! - disse Enzo, virando-se para ficar cara-a-cara com o namorado - Mas a culpa é sua por eu estar tão cansado!
- Ora, você vai dizer que não adorou a nossa noite?! Porque eu não notei nenhuma resistência da sua parte! - respondeu Daniel rindo.
- É claro que eu adorei! Eu amei!
- Por falar nisso, não me deixe esquecer de ligar para o Yuri e agradecer, porque ele deve ter te orientado muito bem! Você sabia exatamente o que estava fazendo, mesmo com a sua... bem, com a sua "limitação"!
- Isso é verdade! O trabalho que o Yuri fez foi, com certeza, essencial! É tão bom ter um profissional que ligue exatamente para essas coisas do nosso dia-a-dia, que parecem tão triviais, mas, na verdade, são tão importantes e complicadas de serem realizadas por pessoas que tem uma limitação, como você disse - respondeu Enzo, em tom sério. Então, mudando para um tom brincalhão, completou: - Mas, 50% do trabalho também foi talento desta pessoa que vos fala!
- Enzo, também me lembre de procurar a sua modéstia! - disse Daniel, rindo - Ela ainda pode estar no hospital! Mas, voltando ao assunto, eu adorei a nossa noite e fiquei feliz de poder, você sabe, fazer amor com você! Eu confesso que não estava esperando que isso fosse acontecer tão cedo!
- Para falar a verdade, nem eu! Mas eu não quero deixar que a minha limitação influencie demais na minha vida! Eu te amo e te desejo, então eu quero fazer amor com você quando eu tiver vontade, independentemente se eu vou recuperar os movimentos das minhas pernas ou não!
- Eu também te amo e te desejo! - disse Daniel, enquanto percorria as bordas do rosto de Enzo com as pontas dos dedos - Fazer amor com você é uma experiência maravilhosa! Você me fez descobrir um novo mundo, sexualmente e emocionalmente!
- Bem-vindo ao meu mundo! Regado a festas, sexo e bebidas!
- Cala a boca Enzo! - disse Daniel, rindo e empurrando o namorado - Eu estou me declarando aqui e você fazendo graça!
- Desculpa amor! Eu não resisti! - respondeu Enzo, também rindo - Mas, falando sério, eu fico feliz que você esteja apreciando essa nova experiência! Algumas pessoas não têm boas experiências e acabam achando que o sexo entre dois homens é sempre doloroso ou desagradável! Eu tenho um amigo assim!
- Bem, eu não tenho do que reclamar! A minha primeira vez foi... como eu poderia dizer... maravilhosa! Assim como você!
- Como eu disse: talento!
- Enzo! Você está impossível hoje! - disse Daniel rindo e, levantando-se da cama, disse: - Eu vou tomar banho!
- Quer companhia?
- Sempre! A sua companhia, é claro!
- Obviamente!

Quando os dois terminaram de tomar banho, já era hora do almoço, de modo que estes se dirigiram para a sala de jantar, onde Lucas e Pedro já estavam à mesa.

- Bom dia! Eu já estava me perguntando que horas vocês acordariam! - exclamou Pedro.
- Desculpa pai, nós não vimos o tempo passar ontem à noite e acabamos dormindo tarde!
- Está tudo bem, eu só não quero que vocês deixem de aproveitar este lindo dia! - respondeu Pedro, calmamente - Eu e o Lucas caminhamos um pouco pela propriedade e ele estava me contando as novidades em sua vida.
- Que bom - disse Daniel, imaginando que Lucas, provavelmente, havia omitido a terrível história que ele compartilhara com ele e Enzo, afinal aquele não seria o assunto mais adequado para o momento - Sobre o que conversavam agora, especificamente?
- Eu estava explicando ao seu pai o que um terapeuta ocupacional faz! O que, diga-se de passagem, é sempre algo muito difícil, já que a profissão é tão ampla!
- Que ótimo - disse Enzo - Eu adoraria ouvir isso! Eu me apaixonei pela profissão desde que fui atendido por um terapeuta ocupacional no Hospital das Clínicas de São Patrício!
- Você foi atendido pelo Yuri, certo? - perguntou Lucas.
- Sim, por que?
- Ele é simplesmente um dos melhores terapeutas ocupacionais em São Patrício! - disse Lucas, animado - Eu não o conheço pessoalmente, mas todas as pessoas com quem eu já conversei sobre ele elogiam imensamente o trabalho que ele faz! O Yuri é um profissional que realmente representa a Terapia Ocupacional!
- Nossa, eu sabia que o Yuri era maravilhoso! Mas não sabia que estava sendo atendido por um dos melhores da cidade!
- "Maravilhoso"? - perguntou Daniel.
- Cala a boca amor! - respondeu Enzo rindo - Você sabe o que eu quero dizer!
- Estou brincando amor! O cara é muito competente mesmo!
- Ele se formou na UFTU e foi um dos melhores alunos da turma dele! - Acrescentou Lucas - Ele até trabalhou nos Estados Unidos por um tempo!
- Bem, esse rapaz deve ser muito bom mesmo! - disse Pedro - Mas por que voltou para cá?
- Isso são só boatos, mas parece que ele tinha um companheiro nos Estados Unidos, o qual faleceu. Então, provavelmente, ele está tentando recomeçar no Brasil.
- Isso é tão triste! - disse Enzo - Eu não sabia que ele tinha perdido alguém e tampouco que ele também fosse gay! Deve ser por isso que ele foi tão gentil comigo e com o Daniel!
- Que bom que, pelo menos, ele está conseguindo continuar com o bom trabalho! - disse Pedro.
- Isso é verdade pai!
- Mas mudando de assunto - disse Enzo - Você pode recomeçar a explicar a Terapia Ocupacional Lucas?
- Claro! - respondeu Lucas - Primeiramente, o que você entende por "ocupação"?

Assim, Lucas explicou aos três o que um terapeuta ocupacional, com riqueza de detalhes e muita paixão em cada palavra.

- Lucas, você fala da sua futura profissão com tanta propriedade! - Apontou Pedro - Isso é muito bom! Você está fazendo o que você gosta!
- Eu quero ser um terapeuta ocupacional desde que me decidi a fazer faculdade! - respondeu Lucas.
- Os seus pais devem estar muito orgulhosos de você! - Acrescentou Pedro.
- Bem, eu não vivo há algum tempo com os meus pais Seu Pedro... - um silêncio desconfortável se instaurou ao redor da mesa.
- Desculpe, eu falei algo de errado? Algo aconteceu com eles? - Perguntou Pedro.
- Podemos não falar disso? Desculpe, mas eu não gosto de tocar no assunto - disse Lucas.
- Absolutamente! Eu peço desculpas!

Logo em seguida, Zuleica trouxe o almoço e os rapazes conversaram sobre outros assuntos, enquanto desfrutavam de uma excelente feijoada. Posteriormente, Pedro os convidou para passar a tarde na piscina.

- Você pode usar algumas boias poltronas que nós temos Enzo! - disse Daniel - Eu sei que você não vai querer ficar fora da água!
- Você me conhece muito bem! - respondeu Enzo - Eu só preciso trocar de roupa, então poderemos curtir este dia maravilhoso! E aproveitar o resto da luz do dia que ainda nos resta!
- Então nos vemos daqui a pouco na piscina! - disse Pedro.
- Eu também vou trocar de roupa e irei em alguns instantes - disse Lucas.
- Nossa, que tensa a história que o Lucas contou sobre o Yuri! - exclamou Enzo, o qual já estava no quarto, tentando vestir uma sunga - Você acha que isso é verdade?
- Eu não sei... mas, se for, eu não sei como ele consegue lidar com isso! - respondeu Daniel - Eu não sei o que eu faria se te perdesse!
- Eu também não! Eu entendo o porquê de ele ter voltado para o Brasil! Eu não ia aguentar ficar em um local repleto de lembranças da pessoa que eu amo! - disse Enzo.
- Eu entendo perfeitamente! Às vezes é difícil andar pela minha casa e ver os locais no qual eu costumava conversar com a minha mãe! - Daniel tinha uma expressão serena, mas um pesar estava presente em sua voz - Eu acho que é diferente da situação dele, mas eu entendo um pouco do que o Yuri está sentindo.
- Venha cá! - Enzo estendia os braços - Eu sinto muito por tocar nesse assunto, eu sou insensível mesmo!
- Não se desculpe - disse Daniel, abraçando Enzo - Eu estou bem amor! Eu estou muito mais resiliente em relação à perda da minha mãe!
- Eu fico feliz! - disse Enzo, com um sorriso no rosto.
- Agora, mudando de assunto, você precisa de ajuda para vestir isso? - disse Daniel, apontando para a sunga na mão do namorado.
- Eu consigo sozinho! Mas levaria mais tempo e eu também não posso recursar uma proposta envolvendo você tocando o meu corpo!
- Por que você acha que eu perguntei?! - respondeu Daniel, com um sorriso malicioso no rosto.

Alguns minutos depois, os dois apareceram na área da piscina e encontraram Pedro tomando sol.

- Por que demoraram tanto? O clima está ótimo!
- Está mesmo pai! Acho até que já vamos cair na piscina! - disse Daniel, o qual empurrava a cadeira de rodas de Enzo. Você já quer entrar amor?
- Sim! Vamos nessa! - Então eles entraram na piscina e Enzo abdicou da boia, pois queria ficar novamente em pé, com a ajuda de Daniel - É tão bom poder ficar assim novamente! Obrigado, meu amor!
- De nada amor! Isso não exige muito esforço já que a água faz o seu corpo parecer mais leve!
- Não somente por isso, mas por tudo que você tem feito por mim! - disse Enzo, olhando com uma feição serena para o namorado - Eu sei que você teve problemas na UFTU pelo tempo que passou no hospital comigo!
- Como você descobriu?! - exclamou Daniel.
- Amor... eu espero que você não se ofenda, mas você é péssimo em esconder segredos! O que eu amo, pois é difícil você esconder as coisas de mim, tipo um outro namorado!
- Não seja bobo! Eu nunca ia esconder o meu outro namorado de você! - disse Daniel, rindo.
- Como você ousa! - respondeu Enzo, rindo e empurrando o namorado.
- Mas, respondendo ao que você disse, eu não me importo de fazer nada do que eu tenha feito até agora por você! Eu faria muito mais, se necessário!
- Tem como não te amar?! - Enzo se inclinou e beijou o namorado.
- Obviamente não! - respondeu Daniel - Agora pare de me seduzir na frente do meu pai! - Completou ele rindo.

Posteriormente, Lucas apareceu e se juntou a eles na piscina, seguido de Pedro, o qual não queria ficar sozinho do lado de fora. Diversas conversas ocorreram enquanto eles permaneceram dentro da piscina, até que Pedro avisou que precisaria se ausentar para resolver alguns assuntos relacionados ao trabalho.

- Poxa, eu esqueci meu celular no quarto! - disse Daniel, alguns minutos depois que Pedro havia entrado na casa - Eu acabei de lembrar que alguns colegas de faculdade ficaram de ligar agora à tarde sobre um trabalho que nós precisamos entregar essa semana. Vocês se importam de esperarem aqui, enquanto eu vou lá buscar, rapidinho?
- Claro que não! - respondeu Enzo - Vá lá amor!
- Também não me importo, eu posso oferecer suporte se o Enzo precisar! - disse Lucas.
- Tudo bem, eu já volto!

Enquanto Daniel fora ao quarto buscar o celular, Lucas e Enzo conversaram sobre a experiência do futuro terapeuta ocupacional, o qual já estava cursando o sétimo semestre. Porém, após algum tempo decorrido, Enzo começou a estranhar o fato do namorado ainda não ter voltado e pediu para que Lucas o ajudasse a sair da piscina. O rapaz havia aproximado a cadeira de Enzo da piscina e o estava retirando da água, quando foi surpreendido por um barulho vindo do lado de dentro da casa, o que o assustou e o fez, sem querer, largar os braços de Enzo, o qual caiu novamente na piscina e bateu a cabeça quando atingiu o fundo. O golpe apenas deixou Enzo desorientado, mas ele conseguia ver através da água cristalina da piscina que a figura de Lucas não se moveu por algum tempo, mesmo ele sabendo que Enzo não poderia sair do fundo da piscina sozinho. O fôlego de Enzo logo começou a chegar no limite e o rapaz começou a se desesperar, porém, um pouco antes dele desmaiar pela falta de oxigênio, ele viu uma figura pular na piscina e, momentos depois, ele viu a face desesperada de Daniel olhando para ele, enquanto vigorosamente massageava o seu peito.

- Amor! Amor! - Daniel estava visivelmente desesperado e assustado enquanto o abraçava - Eu não sabia se você... Eu estava com tanto medo!
- Amor... - Enzo tentou falar e percebeu que o seu peito doía muito - O que aconteceu?
- Você caiu na piscina e bateu a cabeça! - disse Daniel, ainda muito alterado - Então eu pulei e te salvei! Mas você estava desacordado! Eu não sabia o que pensar!
- Foi tudo culpa minha!  - disse Lucas, entrando no campo de visão de Enzo - Eu me assustei com um barulho vindo de dentro da casa e acabei soltando o seu braço! Me desculpe!
- O que foi que aconteceu dentro da casa? - perguntou Enzo, com um tom de voz baixo e debilitado, devido à dor em seu peito. Enzo ignorou o pedido de desculpas de Lucas, pois lembrava do que havia visto antes de desmaiar.
- A Zuleica estava limpando a casa e acabou encontrando uma arma que pertence ao meu pai! - disse Daniel - Ela acabou disparando, sem querer, e ainda está muito assustada! A sorte é que eu estava a caminho daqui, então o Lucas me disse que você tinha acabado de cair na piscina! Você está bem?
- Não! - disse Enzo, o qual acabara de perceber que estava deitado no chã, o que não melhoraria a dor que estava sentindo no peito - Você pode me levar para dentro? Eu preciso deitar!

Enzo foi levado até o quarto e Daniel o acomodou confortavelmente na cama, antes de dizer:

- Amor, eu preciso ver como a Zuleica está! Mas eu já volto!
- Tudo bem amor! - disse Enzo, ainda sentindo uma forte dor no peito.

Enzo tentou resistir, mas acabou adormecendo enquanto esperava Daniel. Porém, antes disso, ele refletira sobre o que ele havia visto enquanto estava na piscina: Lucas havia claramente pensado que ele desmaiara quando atingiu o fundo da piscina e mesmo assim não oferecera qualquer ajuda. Ele queria estar enganado, mas a imagem distorcida de Lucas parada na beira da piscina, sem mover qualquer músculo para ajudá-lo, não saía da sua cabeça. Por outro lado, ele estava agradecido por estar vivo. O que ele deveria fazer com aquela cena de Lucas martelando em sua cabeça? Com essa questão em mente, Enzo adormeceu, após um dia no qual ele quase havia perdido a vida.


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8 comentários:

  1. Cadê a continuação? Estou curioso para saber o que vai acontecer, sei que deve ser muito trabalhoso fazer a historia, é linda deveria ser até filme, pois seria melhor que certos filmes bostinha que tem por ai, e muito obrigado por escreve-la vc não sabe o quanto ajudou mais ainda sobre o amor gay que muitos gays só demonstram como sexo, sexo e sexo... Sua historia é muito verdadeira eu não a tratei como uma historia e sim como o recebimento de um novo sentimento sobre o amor, espero que tenha continuação me viciei muito nela e vou guarda-la para sempre em minha memoria e que vc esta me ajudando e ajudando outras pessoas, sim, vc esta... gostaria muito de trocar e-mail com vc se possível, como li em um comentário anterior vc é muito oculpado mas se possível gostaria pois queria saber se a historia de fato ocorreu?, as características fisica dos personagens principais (Daniel e Enzo)? sobre o que vc pensa sobre a historia? etc... Gostei muito dela e espero que vc nunca pense em apaga-la pois ela mexeu muito comigo, cara vc é muito criativo nem sei o que falar mas é muita perfeita essa historia e se um dia vir ao caso de ser lançado um livro/filme gostaria muito de ficar sabendo rsrs' Obrigadooooo muito perfeita mesmo de coração... Cria uma pagina no Facebook eu amo a historia... e talvez vc possa me ajudar quando eu for fazer uma historia que estou a muito tempo tentando cria-la mas sempre fica estranha pois queria expressar o que sinto (principalmente por uma desilusão amorosa que passei). bjuss

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  2. Muito bom não vejo a hora de ler o resto da história.

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  3. Pf favor posta logo a continuação!!

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  4. Meu Deus espero que venha logo a continuação *------* Denzo <3

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  5. estou adorando tambem escrevo, quando quiserem ler, www.ricardosacaninhag.zip.net
    também estou na minhateca

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